Em 1854, o Cardeal inglês Nicholas Wiseman (1802-1865) lançou
seu romance Fabíola (também conhecido
como A Igreja das Catacumbas) onde
trata sobre a perseguição à igreja cristã primitiva e aos seus mártires, na visão de uma jovem e culta aristocrata romana. O livro foi adaptado três
vezes para as telas de cinema. Em 1918, na Itália, com direção de Enrico
Guazzoni, e na França em 1949 no auge do expressionismo, com direção de Alessandro
Blasetti com Michèle Morgan e Henri Vidal.
Cardeal Nicholas Wiseman, autor do romance Fabíola, também intitulado A Igreja das Catacumbas, publicado em 1854. |
A REVOLTA DOS ESCRAVOS (1960), adaptação peplum do romance do Cardeal Wiseman. |
A REVOLTA DOS ESCRAVOS (La Rivolta Degli Schiavi), com
direção de Nunzio Malasomma (1894-1974) foi a terceira adaptação do romance de
Wiseman. Com roteiro de Stefano Strucchi, Duccio Tessari (1926-1994) e Daniel
Mainwaring (1902-1977), que fez os diálogos em inglês, ainda fica distante de
se considerar uma obra prima, vindo oferece mais divertimento e expansão de
músculos do que apresentar uma história de cunho religioso, tal
como procede tanto no livro como nas duas adaptações anteriores para o cinema.
E também pudera, pois em 1960, época de sua produção, o cinema italiano
introduziu o chamado cinema peplum,
ou como aqui foi chamado no Brasil Espadas
& Sandálias.
Rhonda Fleming, estrela de Hollywood, estrelando um épico Peplum. Ela interpreta Cláudia, uma dama da aristocracia romana, que vai se apaixonar por... |
...Víbio, seu escravo, vivido por Lang Jeffries, que se tornaria marido de Rhonda Fleming na vida real. |
O modismo dos filmes Espadas & Sandálias invadiu os cinemas pelo mundo. Eram
produções com aventuras épicas geralmente baseadas em temas mitológicos ou
bíblicos passados na Antiguidade, com heróis de força suprema, cujos
intérpretes em sua grande maioria eram fisiculturistas norte-americanos, como
Steve Reeves, Mark Forest, Gordon Scott (Tarzan), Gordon Mitchell, Reg Park, Ed Fury,
Richard Harrison, e Dan Vadis. O cineasta Malasomma não buscou nenhum fortão para ser sua estrela em seu pequeno épico, mas sim uma diva de Hollywood, a estonteante Rhonda
Fleming (1923-2020), que desembarcou na Itália junto com quem seria seu terceiro marido, o belo, porém inexpressivo Lang Jeffries (1930-1987), que seria seu galã na trama.
A REVOLTA DOS ESCRAVOS (1960) |
RHONDA FLEMING, ETTORE MANNI E LANG JEFFRIES |
Mas
A REVOLTA DOS ESCRAVOS, salvo algumas situações, foge completamente da história
original. No romance não existe o personagem Víbio, interesse romântico da
heroína (como também não existe o gladiador heroico interpretado por Henri Vidal na adaptação de Alessandro Blasetti em
1949). O cardeal Wiseman apresenta Fabíola como uma mulher independente e sem relacionamentos amorosos, culta e arrogante, uma dama
que se apraz com festejos palacianos e que anda em alto estilo na sociedade de
Roma. Contudo, aos poucos, ela vai cedendo seu espírito e compreendendo a fé
cristã, principalmente quando um de seus amigos mais queridos, o tribuno
Sebastião, chefe da guarda pessoal do imperador Maximiniano, é morto por conta
de suas convicções cristãs.
O Tribuno Sebastião (Ettore Manni) apesar de participar das badalações sociais dos aristocratas, não esquece seu dever de ajudar os irmãos na fé. Ele tem o apoio... |
...da amiga Agnes (Wandisa Guida), mulher rica e prima de Cláudia. |
Cláudius (Gino Cervi) enfrenta o Imperador Maximiniano (Dario Moreno). |
Até
o nome da personagem central nesta adaptação é alterado, de Fabíola passa a ser chamada de Cláudia. Mas o diretor não tinha nenhuma intenção em realizar um trabalho
profundo, apenas rotina, embarcando no modismo dos Peplums. A história passa-se
na Roma do terceiro século da Era Cristã, durante o império de Maximiniano
(Dario Moreno, 1921-1968). A perseguição aos cristãos se alastra na grande
metrópole e a segurança pessoal do imperador já não era o suficiente para se
proteger de ataques e traições. Era ainda preciso confiar em soldados que
vinham da África para garantir a proteção do imperador, onde se destaca Iface (Vanoye
Aikens, 1922-2013), que acompanha Maximiniano sempre em sua rotina no palácio.
Corvino (Serge Gainsbough), Chefe da Polícia do Imperador, é detido pelo gigante Cátulo (Burt Nelson) durante tentativa de espionagem. |
Enquanto Sebastião dribla os homens de Corvino... |
...Víbio lidera a Revolta dos Escravos. |
Cláudia (Rhonda Fleming), dama da sociedade romana de caráter
fútil, filha de Cláudio (Gino Cervi, 1901-1974), um dos mais poderosos homens de
Roma, ganha do pai um escravo como presente de aniversário, Víbio (Lang
Jeffries). Ela intenciona transformar o escravo em gladiador para se
divertir com ele, mas Víbio não cede aos caprichos de sua dama, que manda
açoita-lo. Contudo, o escravo é salvo por Sebastião (Ettore Manni, 1927-1979),
respeitado comandante da Guarda Pretoriana e amigo de Cláudia, e pela prima desta,
Agnes (Wandisa Guida). Ambos ocultamente cristãos resolvem ajudar o escravo sem
conhecimento de Cláudia.
A TORTURA CONTRA OS CRISTÃOS |
CORVINO, CHEFE DA POLÍCIA DO IMPERADOR. |
Os métodos bárbaros de Corvino (Serge Gainsbough) para torturar cristãos ou qualquer outro que atravesse seu caminho. |
Quando
o cerco aos cristãos se aperta por obra de Valério (Fernando Rey, 1917-1994) e
do chefe da polícia secreta, Corvino (Serge Gainsbough, 1928-1991), Agnes e
Sebastião são presos. Cláudia, com intenção de salvar a prima, acompanha Víbio,
que pretende resgatar os cristãos liderando uma revolta de escravos, juntamente com seu parceiro de luta Cátulo (Burt Nelson, 1932-1998), um gladiador de forte temperamento que também segue o
cristianismo. Mas Víbio e sua dama acabam nas masmorras. Durante os acontecimentos,
o pai de Cláudia é assassinado por conspiração de Maximiniano e Corvino. Quando
conseguem fugir do ergástulo, Víbio e Cláudia passam a liderar uma rebelião
contra Maxminiano e seu império.
ETTORE MANNI COMO SÃO SEBASTIÃO |
O martírio de São Sebastião em A REVOLTA DOS ESCRAVOS (1960). |
Este foi o dia de um Império Ameaçador! |
Aos poucos, Cláudia vai compreendo o significado da fé cristão
junto com Víbio, que agora nutrem sentimento de amor um pelo outro. Como último
recurso para salvar sua prima Agnes e seu amigo Sebastião, Cláudia tenta
interceder junto a Maximiniano para que poupe a vida dos dois, mas em vão.
Sebastião é levado a um bosque para ser flechado pelos arqueiros de Iface,
enquanto Agnes é morta no Coliseu. Víbio e seus homens irrompem com violência
contra todo o exército de Corvino, sem se preocupar em dar a outra face.
Cláudia colabora com os cristãos e enfrenta Corvino e Iface (Vanoye Aikens) |
Cláudia e Vibio nutrem uma intensa paixão. |
Mas "não oferecer a outra face"
parece o mérito maior de A Revolta dos
Escravos, que foge da espiritualidade dando lugar para uma aventura exuberante
de músculos, suor e sangue. Os “escravos” do título original são cristãos de
força e luta que mesmo desobedecendo a lei de amor ao próximo e amor ao
inimigo conforme os princípios básicos da fé cristã, estão unidos para
salvar uns aos outros. Mas como é cinema, os produtores resolveram levar um
enredo aventuresco, justificando a ação e ignorando ao máximo o romance de
Wiseman, que segue em seu original a história do sacrifício dos mártires
cristãos. Mesmo com a gratuidade da violência, A REVOLTA DOS ESCRAVOS nos
fornece alguns momentos de reflexão, principalmente através dos personagens
Agnes e Sebastião (São Sebastião e Santa Agnes ou Inês, canonizados pela Igreja
Católica e celebrados em liturgia respectivamente nos dias 20 e 21 de janeiro).
A REVOLTA DOS ESC RAVOS (1960) |
O galã Ettore Manni esta muito bem como São Sebastião, valente e
destemido tal como se imagina de um militar romano em defesa dos oprimidos da fé.
Rhonda Fleming uma radiosa patrícia romana. Lang Jeffies, um ator inexpressivo,
não convence nem um pouco como o herói a liderar uma rebelião. O lendário ator italiano Gino Cervi, que participara da adaptação cinematográfica de 1949 na França, magnífico como o pai de Cláudia. Dario Moreno, um ator mais
voltado para comédias, faz
um Maximiniano que estereotipa os imperadores da Roma Antiga. E Serge Gainsbough emoldura a máscara sádica de um Corvino que foi intrigante na corte do imperador.
Cláudia é encarcerada junto com sua serva Liubaia (Dolores Francine) |
Víbio depara-se com o corpo de Agnes e dos demais cristãos mortos no Coliseu. |
A
Revolta dos Escravos faz parte de um time de filmes que não tem qualquer compromisso
com a História ou com o livro de origem. Um espetáculo onde a grandiosidade e o uso da força bruta são seus méritos principais. Apesar das falhas, é valorizada pela presença de Rhonda Fleming, e
pela trilha musical de Angelo Francesco Lavagnino (1909-1987), mestre italiano
que se inspirou em missas da Igreja Católica para fazer suas composições. No Brasil, A Revolta dos
Escravos chegou às salas cariocas em novembro de 1961.
Divulgação do filme nas salas de cinema do Rio de Janeiro pelos jornais em fins de 1961. |
A
REVOLTA DOS
ESCRAVOS
(La Rivolta Degli Schiavi)
PAÍS
- ITÁLIA
ANO
– 1960
GÊNERO
– ÉPICO/AVENTURA/RELIGIÃO
DIREÇÃO - NUNZIO MALASOMMA
ROTEIRO - STEFANO STRUCCHI, DUCCIO TESSARI, E DANIEL MAINSWARING, COM BASE NO ROMANCE “FABÍOLA”
DE NICHOLAS WISEMAN.
PRODUÇÃO - PAOLA MOFFA, EM DISTRIBUIÇÃO PELA UNITED ARTIST
FOTOGRAFIA - CECILIO PANIAGUA, EM CORES
MÚSICA
– ANGELO FRANCESCO LAVAGNINO
METRAGEM
– 98 MINUTOS
ELENCO
RHONDA
FLEMING – CLÁUDIA
LANG
JEFFRIES – VÍBIO
GINO
CERVI – CLÁUDIOS
DARIO
MORENO – IMPERADOR MAXIMINIANO
ETTORE
MANNI – SÃO SEBASTIÃO
WANDISA
GUIDA – SANTA AGNES
FERNANDO
REY – VALÉRIO
SERGE
GAINSBOUGH – CORVINO
JOSE
NIETO – SEXTO
BRENNO
HOFFMAN – PRETORIANO
ANTONIO
CASAS – TORTULIO
JULIO
PENA – TORQUATO
RAFAEL
RIVELLES – BISPO RUTILIO
VANOYENS AIKENS – IFAGE
DOLORES FRANCINE – LIUBAIA
BURT NELSON - CÁTULO
Produção
e pesquisa de
PAULO TELLES
Matéria originalmente publicada no extinto blog "Filmes Antigos Club - A Nostalgia do Cinema" por seu redator, em janeiro de 2018.
Nenhum comentário:
Postar um comentário