1941
foi o ano do ataque japonês à Pearl Harbor, o que motivou a entrada dos Estados
Unidos na II Guerra no ano seguinte. Entretanto, 1941 foi também o ano do
lançamento de SARGENTO YORK (Sergeant York, 1941), dirigido e produzido pelo lendário
Howard Hawks (1896-1977). A história real de Alvin C. York (1887-1964),
fazendeiro do Tennessee, homem pacato, pacifista e religioso, que acaba se
conscientizando da importância da guerra, tornando-se herói da I Guerra Mundial
(1914-1918)e o soldado americano mais condecorado do conflito, matando 25 soldados alemães e capturando sozinho outros 132
inimigos. York compreende que, para conquistar a paz e a liberdade, às vezes
pode ser preciso lutar com armas nas mãos.
O Verdadeiro Sargento Alvin C. York (1887-1964) |
York
era um herói democrático, e a obra de Hawks fez questão de frisar que não há
nenhuma noção aristocrática e nem hierarquia implicada em seu conceito de democracia. Alvin York, a quem o povo americano rendeu entusiásticas homenagens,
era um homem simples e bastante comum, um camponês rústico e laborioso, com
noção rígida do dever, que dava a sua honestidade estrutural uma feição muito
marcada de puritanismo. Em seu
retumbante heroísmo no front, York não agiu levado por desejo de fama ou
egocentrismo, e mesmo com o fim do conflito, seus ideais religiosos e
ideológicos permaneceram os mesmos, onde deixou até mesmo de aceitar pompas maiores, regressando a vida
que sempre desejou: seus trabalhos rurais nos campos do Tennessee.
O Cineasta Howard Hawks |
Justamente
por essa defesa do conceito democrático do herói e pela sua justificação
ideológica da guerra, é que Sargento York
age também como um filme de propaganda. A circunstância, no entanto, não lhe
prejudica o mérito artístico e técnico. Trata-se de uma obra prima vista pela
ótica de seu realizador, ou então, pela primorosa atuação do elenco. Howard
Hawks realizou um filme autoral, principalmente pelo ritmo que nunca é
acelerado e se mantém num compasso mais ou menos retardado, para se ajustar aos
efeitos psicológicos do personagem, lento nas suas reações.
Gary Cooper viveu o SARGENTO YORK (1941) no cinema |
Há cenas magníficas na fita de Hawks, merecendo destaque como
as mais belas e bem realizadas no cinema, através do ângulo da emoção, como as
que seguem com a conversão de York, que nem sempre fora um homem pacífico e
religioso. No começo, Alvin era um arruaceiro e bêbado, que arranjava confusões
nos campos do Tennessee, para desgosto da mãe, uma mulher religiosa. A rebeldia
e a fúria de York só são aplacadas quando, em certa noite chuvosa, um raio
atinge seu rifle, sem que Alvin e seu burro em que estava montado fossem
feridos. Ao ver o estado do rifle destruído, York interpretou isto como um
sinal divino. Imediatamente, se dirige a um culto, onde é recebido e
abençoado pelo pastor local. É daí, como em muitas outras sequencias que dão
brilhantismo ao filme, é que a fita de Hawks impõe-se com admirável coerência,
onde as cenas são articuladas com muita habilidade pelo diretor.
Alvin York (Gary Cooper), bom com um rifle bem antes de ingressar na guerra |
Há
sequencias que já parecem pré-anunciar outras passagens do filme. A cena
inicial com o sermão baseado na parábola da ovelha perdida do Evangelho de
Lucas - Capítulo 15 e versículos de 1 ao 7- prepara a cena de conversão do
personagem principal. O concurso de tiro, onde Alvin abate um peru, já antecipa
o que ele fará com os alemães no front. Destarte, SARGENTO YORK mostra uma
feliz harmonia de conjunto, onde se tem uma aventura bélica adicionada a um
canto pastoral com importante mensagem de fé, esperança, patriotismo, coragem,
e otimismo – valores importantes para os americanos no então momento,
que atravessavam os horrores da II Guerra Mundial.
O Fotógrafo Sol Polito |
O Compositor Max Steiner |
SARGENTO YORK foi
levado às telas sob uma equipe técnica para ninguém botar defeito. Além da
direção perfeita de Hawks, o cineasta John Huston (1906-1987) colaborou com o
script (outros roteiristas foram Howard Koch, Harry Chandlee e Abem Finkel),
que teve como base dois livros sobre York e no diário de guerra do próprio
biografado. Max Steiner (1888-1971) contribuiu com a trilha sonora, e Sol
Polito (1892-1960) com a magistral fotografia em preto & branco, maculada anos depois quando resolveram colorizar o filme por computador para a TV na
década de 1980.
A Família de York: a mãe (Margaret Wycherly) e os irmãos George (Dickie Moore) e Rosie (June Lockhart). |
A trama
Em
1916, no Tennessee, Alvin York (Gary Cooper) vive com sua mãe (Margaret
Wycherly, 1881–1956) e os irmãos mais jovens, George (Dickie Moore, 1925-2015)
e Rosie (June Lockhart), numa fazenda cujas terras não são boas para cultivo. Juntamente com os amigos Ike Botkin (Ward
Bond, 1903-1960) e Buck Lipscomb (Noah Beery Jr, 1913-1994), Alvin se mete em
brigas e bebedeiras. Quando
se apaixona pela bela Gracie Williams (Joan Leslie), York lhe diz que vai
trabalhar para conseguir uma boa fazenda e, assim, poder casar-se com ela. Ao participar de um concurso de tiro ao alvo,
York ganha todos os prêmios, mas fica desapontado ao saber que Zeb Andrews (Robert
Porterfield, 1905-1971), um fazendeiro um pouco mais abastado, comprara as
terras que ele tinha em vista. Furioso, pretende matar Zeb em certa noite
chuvosa, mas um raio atinge seu rifle sem feri-lo, e Alvin interpreta isso como
um sinal de Deus. Ajudado pelo pastor Rosier Pile (Walter Brennan, 1894-1974),
ele se volta para a religião, e assim, o antes arisco e encrenqueiro Alvin York torna-se um homem pacífico e responsável.
York (Gary Cooper) com o amigo de farras e bebedeiras Ike Botkin (Ward Bond, em um desempenho bem humorado). |
O Pastor Rosier Pile (Walter Brennan) e outros tentando conter a ira de Alvin (Gary Cooper). |
Alvin se interessa por Gracie Williams (Joan Leslie). |
Quando
os Estados Unidos entram na I Guerra Mundial, Alvin encontra-se ensinando a
Bíblia para um grupo de crianças.
Inicialmente, resiste à ideia de se alistar, pois matar é contra seus
princípios religiosos. Entretanto,
aconselhado pelo pastor Pile, ele se despede da família e de Gracie, e se
alista no exército. Durante
os treinamentos, sua habilidade com o rifle chama a atenção do Oficial
Comandante. No entanto, ele recusa uma
promoção, justificando que matar é contra seus princípios bíblicos. O Oficial lhe entrega um livro sobre a
história dos Estados Unidos, com informações sobre Daniel Boone e outros homens
que, no passado, lutaram pela liberdade, e lhe dá uma licença de 10 dias para
que ele o leia e pense a respeito. Depois de ler o referido livro, ele retorna ao
exército convencido de que, muitas vezes, as pessoas devem lutar pela liberdade
e pela Pátria. Assim, após o período de
treinamento, ele segue para o front, na França.
Alvin acaba aderindo a religião, se tornando um cristão convicto e pacifista. |
Mesmo motivado pelas convicções religiosas, Alvin é obrigado a se alistar no Exército e lutar na guerra. Para isso, ele tem como conselheiro o Pastor Rosier Pile (Walter Brennan), que o orienta a como servir à Deus e a Pátria. |
No front, York tem como companheiros de luta "Pusher" Ross (George Tobias) e o Sargento Early (Joe Sawyer). |
Em
8 de outubro de 1918, quando da ofensiva de Argonne, França, Alvin York mata 25 alemães com 25 tiros e
consegue capturar outros 132 soldados. O
então soldado é promovido a Sargento York e agraciado com a Medalha de Honra.
Ao terminar a guerra, Alvin retorna à sua terra e aos braços de sua amada
Gracie. Uma vez lá, recebe do Estado do
Tennessee, a título de doação, uma boa fazenda, como gratidão por seus atos de
heroísmo e patriotismo.
Gary Cooper, um Campeão de Ouro da Academia! |
O OSCAR PARA
GARY
COOPER
Gary
Cooper (1901-1961) era então o astro mais popular e requisitado em Hollywood no
início da década de 1940, e estava sob contrato de Samuel Goldwyn (1879-1974)
pela United Artists. A popularidade de Cooper era tanta que seu salário era
maior até que o do Presidente dos Estados Unidos. Entretanto, seria a Warner a
rodar o filme baseado nos feitos e heroísmo do Sargento Alvin. C. York.
O verdadeiro Sargento York e sua mãe, em 1918. |
O casamento do Sargento Alvin York e Grace Williams, tendo o governador do Estado do Tenneesse como testemunha, em 1919. |
O Produtor Jesse L. Lasky promove o encontro entre Gary Cooper e Alvin C. York. |
O
verdadeiro Alvin York já tinha quase 55 anos quando SARGENTO YORK foi lançado
nos cinemas americanos. Entretanto, uma cinebiografia sobre o herói já era
planejada desde 1919 pelo produtor Jesse L. Lasky (1880-1958), com York fazendo o próprio papel, mas na ocasião ele recusou, alegando que sua farda “não estava à
venda”. Na época em que vivia como um jovem fazendeiro no Tennessee e recrutado
para o exército, Alvin tinha cerca de 20 e 21 anos de idade, e a Warner buscava
astros mais próximos para desempenhar o biografado – entre eles Henry Fonda,
Ronald Reagan (este mais de preferência com o estúdio), e James Stewart. Mas
Alvin York reprovou todos os três e veio com a exigência de que o filme baseado
em sua vida e em seus feitos gloriosos na I Guerra Mundial só seria rodado se
Gary Cooper fizesse seu papel. O mesmo
Lasky estaria por trás da produção, juntamente com Hal B. Wallis e o diretor
Howard Hawks.
Bette Davis visitou o amigo Gary Cooper no set de filmagem de SARGENTO YORK (1941). |
Samuel Goldwyn. |
A
princípio, Cooper ficou com receio de interpretar uma celebridade que ainda
estivesse viva e relutou bastante em pegar o papel. E ainda havia outro
problema, porque Gary não era um ator contratado pela Warner e sim dos estúdios
de Samuel Goldwyn. Mas após longas negociações entre os executivos da Warner e
os executivos de Samuel Goldwyn, ficou resolvida que a empresa de Goldwyn
cederia para Warner Brothers Gary Cooper para fazer Sargento York, e em troca, a contraparte emprestaria sua estrela de
maior constelação, Bette Davis, para fazer Pérfida
(The Little Foxes, 1941) de William
Wyler, a ser realizado pela companhia de Samuel Goldwyn e distribuído pela RKO.
Gary Cooper e Alvin C. York. |
Cooper,
que já tinha 40 anos, era considerado velho para viver um jovem matuto do
Tennessee, mas isto não impediu que o verdadeiro York requisitasse o astro para
desempenhar seu papel, pois segundo palavras do próprio biografado, somente
Gary Cooper exercia este poder. York participou como consultor técnico e
acompanhou inúmeras filmagens ao lado de Howard Hawks. Mas certo dia, um membro
da equipe, sem o menor tipo de noção ou tato, lhe perguntou quantos
alemães ele havia matado. York começou a soluçar de forma tão veemente que
acabou passando mal no set de filmagem. Este membro da equipe só não
foi demitido porque, de forma muito nobre, York pediu que não o despedissem.
Joan Leslie, de 16 anos, viveu a personagem Gracie Williams, namorada de York. |
Além
da exigência de ter Gary Cooper fazendo seu papel, Alvin York ainda exigiu que
parte das rendas do filme fosse beneficiada para a escola bíblica que ele havia
construído no Tennessee, e que nenhuma atriz adepta do tabagismo interpretasse
Gracie, sua esposa, muito embora Ann Sheridan e Jane Russell, fumantes inveteradas, fossem consideradas para o papel. A parte da esposa do
biografado recaiu para a jovem Joan Leslie (1925-2015), então com 16 anos, a mesma
idade da verdadeira Gracie na época em que namorava York.
Alvin York se torna o bastião de seu pelotão durante a Primeira Guerra Mundial... |
matando 25 soldados alemães e capturando outros 132. Por sua bravura e coragem demonstradas no front... |
SARGENTO YORK recebe as maiores condecorações e honras concedidas à um herói. |
Cineastas
como Victor Fleming, Michael Curtiz, Henry Koster e Norman Taurog recusaram-se a dirigir o filme antes mesmo que o projeto fosse oferecido a Howard
Hawks, que aprovou a atuação de Gary Cooper, sendo o diretor um dos grandes
responsáveis pela sua indicação para um prêmio na Academia. A festa anual da
premiação da Academia de Hollywood havia sido cancelada, pois dois meses antes,
com o ataque a Pearl Harbor pelos japoneses, os Estados Unidos entraram na II
Guerra. Mas Bette Davis, que era então presidente da Academia naquele ano, resolveu
abrir a cerimônia para o público, vender entradas, e entregar os prêmios num
grande auditório, e doar os lucros a Cruz Vermelha. Os diretores do evento, no
entanto, acharam que, apesar da Guerra, a cerimônia deveria continuar, sendo
privativa da indústria cinematográfica. Bette não concordou com isso e
prontamente pediu renúncia do cargo. Ao jantar, compareceram 1.600 pessoas –
recorde até então.
O regresso do Sargento Alvin York (Gary Cooper) aos Estados Unidos, e ao seio da família. |
De volta ao lar, o Sargento York (Gary Cooper) recebe mais honrarias e condecorações. |
Gary Cooper recebe sua primeira premiação ao Oscar nas mãos do Tenente James Stewart (que estava servindo na II Guerra) por seu desempenho como o SARGENTO YORK (1941). |
E
SARGENTO YORK concorreu para sete indicações: melhor filme, melhor diretor
(Howard Hawks), melhor ator (Gary Cooper), melhor ator coadjuvante (Walter
Brennan), melhor atriz coadjuvante (Margaret Wycherly), melhor montagem, e
melhor roteiro adaptado. E o filme foi premiado com duas estatuetas: Melhor
montagem (William Holmes, 1904-1978) e melhor ator do ano para Gary Cooper, que conquistou
seu primeiro Oscar (o segundo viria 11 anos depois, por sua performance em
Matar ou Morrer, de Fred Zinnemann). Ao receber a premiação das mãos de James
Stewart, que então estava servindo como Tenente da Força Aérea e que havia
vencido no ano anterior por seu papel em Núpcias de Escândalo (The Philadelphia
Story), Gary Cooper dedicou o prêmio ao verdadeiro Sargento York, que estava na
plateia. Cooper lamentou não poder ter se alistado na II Guerra como os demais
astros de sua época devido à idade e a uma antiga lesão em seu quadril, mas
sentiu que seu desempenho em SARGENTO YORK foi uma forma de contribuir para a
causa. Cooper ainda ganhou pelo papel o Prêmio da Crítica de Nova York em 1941.
Gary viria a dizer tempos depois:
DIVULGAÇÃO |
Gary viria a dizer tempos depois:
- O Sargento Alvin C. York e eu tínhamos
algumas coisas em comum antes mesmo que eu pudesse interpreta-lo: nós dois
fomos criados nas montanhas. Ele vem das montanhas do Tennessee e eu das
montanhas de Montana, e ambos aprendemos a andar e a atirar como parte do
crescimento. “Sargento York” me deu um Oscar, mas não é por isso que seja meu
filme favorito. Eu gostei do papel porque, no fundo, eu retratava um ícone que
simbolizava o caráter e a grandeza dos Estados Unidos.
O Herói real e seu intérprete nas telas. |
A
estreia americana de SARGENTO YORK foi em Nova York, a 2 de julho de 1941,
tendo como anfitriões Gary Cooper e o próprio Alvin. C. York. No Brasil, a obra
de Howard Hawks chegou aos nossos cinemas em 1943, onde o público brasileiro
prestigiou a quieta e energética atuação de Gary Cooper. Sua atuação foi base
de um filme de inteligente manipulação a favor da causa americana na II Guerra,
mas ao mesmo tempo, se tornou um delicioso entretenimento com misto de drama
pastoral adicionada à uma eletrizante aventura bélica aos moldes da era de ouro
de Hollywood.
O busto do Sargento Alvin C. York, no Tennessee. |
Divulgação do filme pelos jornais do Rio de Janeiro, em 1943. |
Poster Divulgatório |
País – Estados Unidos
Ano – 1941.
Gênero: Guerra/Biográfico
Direção: Howard Hawks.
Produção: Howard Hawks, Jesse Lasky, e Hal B. Wallis,
para a Warner Brothers.
Roteiro: John Huston, Abem Finkel, Harry
Chandlee, e Howard Koch, baseado no diário de Guerra do Sargento Alvin C. York.
Música: Max Steiner.
Fotografia: Sol Polito, em Preto & Branco.
Edição: William Holmes.
Gary Cooper como o SARGENTO YORK (1941) |
Gary Cooper - Alvin C. York
Walter Brennan - Pastor Rosier Pile
Joan Leslie - Gracie Williams
George Tobias - Ross
Stanley Ridges - Major Buxton
Margaret Wycherly - Mãe de
Alvin York
Ward Bond - Ike Botkin
Noah Beery Jr. - Buck Lipscomb
June Lockhart - Rosie York
Dickie Moore - George York
Clem Bevans - Zeke
Joe Sawyer - Sgt. Early
Gig Young - Soldado
Harvey Stephens - Capt. Danforth
Carl Esmond - Major alemão
Pat Flaherty - Sgt. Harry Parsons
Frank Wilcox - Sargento
Charles Middleton - Alpinista
Charles Trowbridge - Cordell Hull
David Bruce - Bert Thomas
Robert Porterfield - Zeb Andrews
Erville Alderson - Nate Tomkins
Tully Marshall- Tio Lige
Douglas Wood - Major Hylan
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