sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Os Imperdoáveis (1992): Western Clássico Obra Prima de Clint Eastwood


Em 1992, ano em que foi realizado OS IMPERDOÁVEIS (Unforgiven), produzido, dirigido, e estrelado por Clint Eastwood, o gênero Western já estava praticamente extinto. O estilo declinava desde o fim da década de 1970, e muito embora na metade da década de 1980 viessem sucessos como Silverado (Silverado, 1985) de Lawrence Kasdan, e O Cavaleiro Solitário (Pale Rider, 1985), também de Clint Eastwood, ainda assim o gênero não conseguia mais atrair o público como foi em outros tempos. 

Clint Eastwood - Ator e Cineasta.
Entretanto, é curioso como deu origem à produção de Os Imperdoáveis, que parecia em 1992 um projeto altamente arriscado, mesmo para um ator e cineasta experiente como Clint Eastwood. Tudo começou na realidade em 1980, quando Clint comprou o roteiro de David Webb Peoples das mãos de Francis Ford Coppola. Coppola estava seduzido pelo script de Webb Peoples, mas desistiu de filmar, acabando por vender a Clint EastwoodEntretanto, Clint viu que algo poderia não dar certo. Aos 53 anos, em 1983, já detentor dos direitos de filmagem, Clint se achou “jovem e imaturo demais” para prosseguir com o projeto. Por isso, o ator-cineasta arquivou o texto na gaveta por quase dez anos.

O saudoso Richard Harris, com Saul Rubinek,
conversando com Clint Eastwood.
Em 1992, Clint, aos 62 anos, achou que já era hora de rodar Os Imperdoáveis, acreditando que havia amadurecido o suficiente para seguir adiante com a produção. O diretor escolheu as vizinhanças de Calgary, na província de Alberta, no Canadá, para rodar seu Western. Clint sabia que a região de terreno íngreme e desigual se assemelhava ao seu “Oeste Americano dos fins do século XIX”.  Contudo, mais do que um faroeste, o filme representou uma volta, em grande estilo, ao gênero.  Vale lembrar que a trajetória deste carismático artista se deveu a uma grande transição de fatores, pois foi conquistando respeitabilidade à base de pólvora e músculos, mas na medida em que foi envelhecendo, também pelo cérebro e sensibilidade

Clint Eastwood, nos tempos da série COURO CRU.

Clint, o "Bom, Mal, e Feio" no cinema.
Clint na direção de OS IMPERDOÁVEIS (1992)

Revelado pelo grande público durante os oito anos em que atuou na TV na série Couro Cru (Rawhide, 1958-1965), Clint carregou desde então a imagem do Cowboy por excelência. Seja na trilogia de Sergio Leone (Três Homens em Conflito, Por Um Punhado de Dólares, Por uns Dólares a Mais), seja no clássico Josey Wales, o Fora da Lei (The Outlaw Josey Wales, 1976) em que ele se autodirigiu, ou mesmo como o policial Dirty Harry em cinco produções da série, o ator e diretor nunca se afastou da imagem de bruto, porém justo, ou ainda, O Bom, o Mal, e o Feio, fazendo alusão a um dos grandes westerns italianos que atuou sob a direção de Leone. Entretanto, ao provar somente atrás das câmeras seu talento como diretor na biografia do célebre músico Charlie Parker (1920-1955) em Bird, de 1988, é que o durão Clint também provou lidar com temas sensíveis. 
Clint Eastwood é William Munny...
viúvo, e com dois filhos. A miséria faz
Munny voltar a empunhar armas.
Ned Logan (Morgan Freeman): O melhor amigo de William Munny.
Assim que estreou no Rio de Janeiro, em 23 de outubro de 1992, Os Imperdoáveis veio enxurrada de críticas positivas, tal como foi nos Estados Unidos, onde o lançamento foi dois meses antes. Cerca de dez milhões de espectadores deixaram mais de US$ 74. Milhões de dólares nas bilheterias (só no mercado americano), e no Brasil, não foi exceção.  Mas pudera, afinal, foi mais um trabalho revisionista no gênero realizado por um grande cineasta, Clint Eastwood, que ainda assinou obras ao estilo, como o polêmico O Estranho Sem Nome (High Plains Drifter, 1973), um trabalho desmistificador que foi censurado até mesmo por John Wayne, um ídolo de Clint.


Bill Munny (Clint Eastwood), pronto para voltar
a ativa.
O fato é que Clint sempre foi um modelo de cowboy sem os antigos mitos do gênero, sem a legenda romântica tão costumeiramente vista nos filmes de John Ford ou Howard Hawks. Seu conceito do Velho Oeste é sem qualquer vestígio de mitologia romanesca, e é isso exatamente que ocorre com Os Imperdoáveis.  A história é penosa para o “herói”, William “Bill” Munny (Clint Eastwood), um ex-pistoleiro e assaltante de trens. Regenerado por sua mulher – que morreu prematuramente, deixando ele com dois filhos – Munny vive da criação de porcos, ocultando seu passado.

Munny e seu jovem parceiro Schofield Kid
(
Jaimz Woolvett)
Morgan Freeman é Ned Logan.

Ned e Munny partindo para a ação.
A princípio, recusa a proposta de um jovem que se apresenta como Kid  Schofield (Jaimz Woolvett), que procura um parceiro para compartilhar um prêmio para a eliminação de dois homens. Mas sob a pressão da miséria, Munny acaba aceitando a oferta, mas dentro de uma condição: levar consigo um velho amigo necessitado, o negro Ned Logan (Morgan Freeman).

O trio composto por Kid, Ned, e Munny, chegam ao pequeno vilarejo...
cujo xerife é o hipócrita Little Bill Daggett
(Gene Hackman)

Deliah (Anna Levine), a prostituta mutilada.
O trio parte para a sombria cidadezinha de Big Whiskey, onde as mulheres do bordel trabalham em dobro para reunir dinheiro do prêmio. Isto porque uma das prostitutas (Anna Levine), vítima dos dois cowboys procurados pelo trio, ficou marginalizada por cicatrizes no rosto e no corpo. Elas repudiam a cínica indiferença do xerife local, Little Bill Daggett (Gene Hackman), também um ex-pistoleiro, para qual basta impor como punição aos bandidos a “multa” de cinco cavalos.

Richard Harris é Bob English...
que chega a Big Whiskey com seu "biógrafo"...

e se recusa a entregar suas armas.
Little Bill proíbe o porte de armas a todos que se aproximem de Big Whiskey. Ele escorraça na base de socos, chutes, e pontapés um orgulhoso inglês, conhecido como Bob English (Richard Harris, 1930-2002) por se recusar a entregar suas pistolas. Bob é um matador de aluguel que chega a cidade com seu “biógrafo” W.W. Beauchamp (Saul Rubinek), na verdade um escritor de folhetins (os mesmos que criaram as lendas e os mitos do Velho Oeste).


O Xerife Little Bill e seus capangas.
Little Bill, o xerife de ferro, mas sem lei e
sem ordem, motivado pelos seus interesses brutais.
As mulheres do prostíbulo que querem justiça,
lideradas por Strawberry Alice (Frances Fisher). 
Mas contra os cowboys e a bem armada equipe do xerife, Munny conta apenas com a ajuda de seus dois parceiros e das mulheres do prostíbulo, lideradas por Strawberry Alice (Frances Fisher, na época, esposa de Clint Eastwood). Perto do confronto sangrento, os companheiros de Munny hesitam. Violentando sua nova concepção de vida, William Munny precisa enfrentar seus adversários como um verdadeiro “anjo exterminador” como fora no passado. Os Imperdoáveis é uma história onde não há inocentes à vista, nem heróis ou mocinhos, mas sim onde os mitos não conseguem resistir ao clima da realidade, e muito menos, a ausência da legenda romântica. 

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Ned Logan (Morgan Freeman), torturado e
morto por Little Bill (Gene Hackman)
A obra foi dedicada pelo diretor a seus dois grandes mentores, Sergio Leone e Don Siegel, "professores" do ator na arte da direção. Clint Eastwood deixou declarado:

- Se tivesse que ser meu último Western, acho que seria uma despedida muito apropriada.


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Munny, em um dialogo com Deliah.
Falar de Os Imperdoáveis é também falar da atuação de Gene Hackman, que aos 62 anos e ter participado de centenas de filmes e peças teatrais, recebeu do amigo Clint Eastwood um papel que lhe deu o Oscar de melhor ator coadjuvante de 1993. Sua atuação como o xerife psicótico Little Bill Daggett, um pretenso guardião da moral e dos bons costumes do pequeno vilarejo de Big Whiskey, que defende mais seus propósitos brutais do que a lei que deveria servir. 

Billy Munny, O Vingador!

 

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Inocente de que? Indaga o xerife vivido por Gene Hackman a uma das prostitutas quando reclama do espancamento de um “homem inocente” (Clint Eastwood). Segundo o crítico Arthur Dapieve, que deu uma brilhante nota ao seu comentário no jornal O Globo, de 27 de novembro de 1992, ninguém é inocente em Os Imperdoáveis

- Todos são culpados e estão condenados, mais cedo ou mais tarde, a pena de morte.  Qualquer semelhança com a vida real não é mera coincidência. Sem dúvida, Clint Eastwood deu ao faroeste filosófico um de seus melhores exemplares.

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O fim de Little Bill.
Há alguma virtude no bem? Os fins justificam os meios? Há alguma nobreza na morte? São questões como estas que ricocheteiam através do filme, atingindo o espectador em cheio.  

Ely Azeredo, na mesma coluna e no mesmo jornal, deixou seu parecer:

- Este filme poderia ser a “chave de ouro” de muitas filmografias ilustres. Sem deixar de encantar como espetáculo, é uma reflexão sobre o Western e sua moral. Ultrapassa os limites da “trama”, instigando reflexões de ordem existencial. A dor moral de sua volta às armas é apenas atenuada pela “meia razão” de resgatar a humilhação do amigo torturado (Morgan Freeman). O final só é “feliz” na aparência. Se o amor redimiu Munny, a compaixão e a amizade o levaram de novo para o inferno. Crítica e autocrítica: a mídia (reprsentada pelo escritor mambembe) não enxergou o grande artista por trás da máscara circunstancial de Dirty Harry.

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A crítica Miriam Alencar no mesmo tabloide nacional, comentou sobre Os Imperdoáveis:

- Em OS IMPERDOÁVEIS, Clint Eastwood conseguiu juntar um tema com as características clássicas que deram ao Western um lugar de honra na história do cinema. Defende a mulher, pela justiça que deve ser feita à prostituta, cujo rosto foi deformado, e rejeita violentamente o racismo na defesa de seu velho companheiro na luta, Ned Loogan (Morgan Freeman). Não contente com isso, relembra através do duelo final, no bar, um também derradeiro  e brilhante duelo dirigido por Don Siegel, O ÚLTIMO PISTOLEIRO, despedida do maior dos cowboys, seu ídolo confesso, John Wayne.


4 PRÊMIOS DA 
ACADEMIA


Clint Eastwood, com seus dois Oscars: Melhor filme e melhor direção.
Há quem dissesse que a 65ª entrega do Oscar da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, na noite de 29 de março de 1993, em Los Angeles, teve barbadas, mas nenhuma goleada.  O veterano Gene Hackman já havia subido ao pódio para receber o prêmio como melhor ator coadjuvante, e dedicou o prêmio a um tio, Orin Hackman, jornalista que havia falecido horas antes da cerimônia.  Hackman declarou:

- Mas eu não vou continuar fazendo tantos filmes assim daqui pra frente. Vou dar uma freada.  – emendou Hackman, fazendo um paralelo entre a morte de seu tio e sua própria saúde, que na época de Os Imperdoáveis, estava fragilizada por problemas cardíacos. O ator hoje conta com 87 anos e desde 2004 está aposentado.

Clint e Gene Hackman: Campeões da Noite.
Clint Eastwood provou ser realmente um gigante na noite do Oscar. Na saída da sala de imprensa foi cumprimentado por Al Pacino, que ofereceu um belo contraste à Clint, já que de tão baixinho, Pacino nem chega aos ombros do ator e diretor que vinha com seus dois prêmios , e cedeu-lhe a vez no pódio. Clint, ao verificar que a altura do pedestal do microfone ainda estava ajustado para Al Pacino, fez uma brincadeira, abaixando desajeitado para falar.

Clint Eastwood, entre Jack Nicholson e
Barbra Streisand, na entrega do Oscar de 1993.
Um repórter perguntou a Clint se não havia um “gostinho de vingança” na vitória de Os Imperdoáveis, já que a Academia de Cinema sempre o esnobara. Eastwood respondeu:

- É muito fácil considerar menores os filmes que fiz no início de minha carreira. Talvez porque eles fossem de fato menores. Eu era jovem e estava aprendendo, buscando. Acho que mudei através dos anos.

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Clint ainda explicou que foi melhor receber o Oscar naquele momento:

- Se tivesse ganhado antes, talvez não fosse maduro o bastante para apreciar o prêmio.


OS IMPERDOÁVEIS
ganhou quatro Oscars: Melhor Filme, Melhor Direção (Clint Eastwood), Melhor ator Coadjuvante (Gene Hackman) e Melhor Montagem (Joel Cox)

Divulgação do filme nos jornais cariocas, em 1992.



Ano de Produção: 1992
País: Estados Unidos
Gênero: Western
Direção: Clint Eastwood
Produção: Clint Eastwood - Julian Ludwig - David Valdes, para Warner Bross
Roteiro: David Webb Peoples
Música: Lennie Niehaus
Fotografia: Jack N. Green (em cores)
Montagem: Joel Cox
Metragem: 131 minutos.

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CLINT EASTWOOD – WILLIAM “BILL” MUNNY

GENE HACKMAN – LITTLE BILL DAGGETT

MORGAN FREEMAN – NED LOOGAN

RICHARD HARRIS – BOB ENGLISH

JAIMZ WOOLVELT – SCHOFIELD KID

SAUL RUBINEK – W.W BEUCHAMP

FRANCES FISHER – STRAWBERRY  ALICE

ANNA LEVINE – DELIAH FITZGERALD, A MULHER MUTILADA

ROB CAMPBELL – DAVEY BUTTING

BEVERLEY ELLIOT – SILKY

E

Walter Marsh- Barber

Frank C. Turner – Fuzzy

Lochlyn Munro - Texas Slim




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