quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Tributo à um Querido Cinéfilo Baiano. O Maior de Todos os Comentaristas.

É com imenso pesar que soube no último fim de semana sobre o falecimento de um querido amigo, muito embora não viesse a conhece-lo pessoalmente, mas que durante os anos que estive em frente do extinto espaço Filmes Antigos Club – A Nostalgia do Cinema, que editei durante 12 anos, ele sempre esteve presente em meus artigos, sempre comentando de forma eficiente e cheia de riqueza de detalhes. Trocávamos conversas por e-mail e chegamos a nos falar algumas vezes pelo telefone. Mas, acima de todas estas qualidades como cinéfilo e grande resenhista, havia um homem maravilhoso, um ser humano que era de todo “alma e coração” como eu o definia. Falo do querido e saudoso Jurandir Bernardes Lima, alcunhado sempre em suas resenhas como o “Faroeste”. Sim, isso mesmo! Ele era um assíduo amante dos Westerns, fossem eles dirigidos por John Ford, Howard Hawks, Anthony Mann, Delmer Daves ou Sam Peckinpah. No entanto, ao longo dos anos a comentar no meu extinto blog, fui percebendo que ele era um admirador eclético da Sétima Arte, expressando suas observações em qualquer gênero cinematográfico. Um verdadeiro cinéfilo!

Jurandir Bernardes Lima: Cinéfilo e grande resenhista.

Nascido em Salvador (terra boa!), Bahia, a 20 de outubro de 1944, o “nobre Ju” ou o “nobre baiano” como eu o intitulava, adentrou no mundo do cinema através de um primo ainda na sua adolescência. Jurandir se encantou de tal maneira pela grande tela que não mais se separou dela, acompanhando por toda a vida. Inicialmente, foi tomado pelos faroestes, onde seu ídolo principal era Gary Cooper. Entretanto, outros astros também o fazia deslumbrar, como Randolph Scott, James Stewart, Roy Rogers, William Holden,  John Wayne, Henry Fonda, Glenn Ford, Alan Ladd, Robert Taylor, Paul Newman, Burt Lancaster, Ernest Borgnine, Robert Duvall, entre outros. Jurandir amadureceu rapidamente, passando a admirar com igual intensidade outros gêneros da Sétima Arte além dos faroestes, e se deixar fascinar por outros astros e estrelas do passado.

Exemplar do Supletivo de Cinema do jornal A Tarde, de Salvador, que influenciou muito o Jurandir pelo gosto pela 7ºArte.
Segundo a família, Jurandir começou a trabalhar muito cedo e parte do salário era consumido com idas ao cinema. Um grande jornal de Salvador, chamado A Tarde, circulava diariamente após o meio dia, e aos sábados, saía com um suplemento exclusivo sobre cinema. O “Nobre Baiano”. então um adolescente, comprava um exemplar todo sábado do jornal somente por conta do suplemento, que certamente, era recheado de anúncios e divulgações de filmes a serem apresentados pelas salas de exibição de Salvador. E ele assim acompanhava os filmes em cartaz.

Gary Cooper, um dos ídolos figadais do "nobre baiano"!

Um fato curioso, narrado pelo irmão de Jurandir, Mariano, chegou-me ao conhecimento: Geralmente, Jurandir mandava os irmãos ou primos (ou todos juntos!), comprar o jornal A Tarde que vinha com o suplemento de cinema tão desejado. Como o suplemento não poderia ser vendido separadamente, o “nobre baiano” queria o jornal em toda íntegra. Para os irmãos e primos, todos ainda meninos, era uma verdadeira “folia” irem a banca em busca do jornal, porém a algazarra era tamanha que o jornaleiro se enfurecia com os guris, acreditando que eles queriam que ele tirasse o suplemento do jornal e desse a eles. O jornaleiro colocava a gurizada para correr, que fugia de tanto medo! Contudo, isso não era frequente, pois o jovem Jurandir não poderia ficar sem seu precioso suplemento sobre cinema. 

Jurandir tinha seus gostos ecléticos, apreciava grandes obras primas e seus diretores. Era apaixonado pelo filme de Frank Capra A Felicidade Não Se Compra, de 1947, com James Stewart, Donna Reed e Thomas Mitchell.

Nesse suplemento cinematográfico do jornal A Tarde tinha de tudo que se passava no mundo do cinema, inclusive os apontamentos de um crítico de Salvador, José Augusto, que escrevia sempre uma coluna, e Jurandir “devorava” com interesse seus comentários (decerto, do mesmo modo que eu e meu amigo e colega Adilson Carvalho do CCP mergulhávamos profundamente pelas críticas do saudoso Paulo Perdigão pelo jornal O Globo). Além do suplemento, Jurandir chegou a possuir um caderno onde anotava o filme, o diretor, e até mesmo a cotação, isto é, dando até notas de 0 a 5 estrelas.

Um dos westerns prediletos do Jurandir era  Da Terra Nascem os Homens, superprodução de William Wyler de 1958, com Gregory Peck

Mas todo cinéfilo tem lembranças deste porte, que ao longo dos anos torna-se uma reminiscência gostosa de se recordar. E o nobre Ju não era exceção. Era um homem saudoso de uma época em que as salas de cinema eram pelos bairros, o cinema de rua, não nos shoppings como nos nossos dias atuais. 

Jurandir tinha muito respeito por Shane, 1953, de George Stevens, estrelado por Alan Ladd.

O amigo Jurandir tinha predileção especial por alguns filmes, como Da Terra Nascem os Homens (Gregory Peck, Charlton Heston e Jean Simmons, direção William Wyler), Ben Hur (A versão única e inesgotável com Heston sob a direção de William Wyler), Spartacus (Kirk Douglas, direção de Stanley Kubrick) A Felicidade Não se Compra (James Stewart e Donna Reed, direção de Frank Capra), Os Brutos Também Amam (Shane, com Alan Ladd & Van Heflin, direção George Stevens). E entre muitos... e tantos outros, que o “nobre baiano” sempre comentava comigo, fosse publicamente dentro dos meus próprios artigos no blog, fosse in off por e-mails. 

Nem só de Westerns vivia o "nobre baiano". Ele adorava superproduções épicas, como a definitiva e inesgotável versão de Ben-Hur (1959), detentora de 11 Oscars e com Charlton Heston

Mas em sua vida pessoal, o “nobre baiano” também gostava de pescar. Lembro-me certa vez que ele chegou a falar isso comigo. Nascido perto do mar, na Ladeira da Barra, entre o Largo da Vitória e o bairro da Barra (Salvador), dentro da Baía de Todos os Santos, com vista magnifica, ele gostava muito de pescaria. Mas no quesito cinema, nunca conheci ninguém, nem antes e nem depois, que pudesse fazer com tanta maestria, com riqueza de observações e detalhes, comentários tão preciosos que, em verdade, eram magníficas aulas.

Spartacus (1960): Kirk Douglas, Tony Curtis e Jean Simmons

No livro que publiquei em 2018, Paladino do Oeste, editado em Curitiba pela Editora Estronho como parte integrante da coleção TV Estronho, e escrito juntamente com Saulo Adami, dediquei uma nota para o querido Jurandir, profundo conhecedor do cinema: “ Aos fãs da série Paladino do Oeste e aos amantes do western, em especial ao Jurandir Bernardes Lima, cowboy baiano, um dos melhores comentaristas, com quem sempre troco tiros de conhecimento e paixão pela Sétima Arte”. 

Capa do livro Paladino do Oeste (Ed. Estronho, 2018) de Paulo Telles e Saulo Adami.

É isso, amigos e leitores! Jurandir era tudo isso e ainda muito mais. Cinéfilo, amigo, valoroso pai, marido, avô e irmão. Ele colaborou em outros blogs e sites sobre cinema, sempre mantendo sua linha e sempre a ser destacado por suas valiosas opiniões, fosse acerca de um filme, artista ou diretor, sendo admirado também por outros editores de sites. Infelizmente, com a extinção do Filmes Antigos Club, suas resenhas se perderam. Mas na memória, sempre será mantida viva sua inteligência e capacidade analítica de observar detalhadamente cada grande filme. O querido Jurandir deixa esposa, Ana Maria, e cinco filhas: Ana Patrícia, Ana Paula, Ana Cristina, Aline e Carla. E quatro netos: Fernando, Ana Julia, Luiza e Levi.  E é inegável que também deixa um vazio cultural, pois era uma pessoa imensamente humanitária, que com suas opiniões, era capaz de transmitir uma das mais dadivosas qualidades que um ser humano pode emanar para com o próximo: transmitir a arte do conhecimento e sua experiência ao longo de toda sua vida.

Um exemplar de Paladino do Oeste foi enviado de cortesia para o amigo Jurandir, a quem também fiz uma dedicatória na página inicial. 

Jurandir se foi em 9 de dezembro do ano passado, e somente na última semana fiquei sabendo deste triste ocorrido através de seu irmão, Mariano Bernardes Lima, por e-mail. O último contato que tive com o “nobre baiano” foi no início de 2019, pouco depois de enviar para ele um exemplar do livro Paladino do Oeste. Na ocasião, ele chegou a declarar que estava fazendo poucos comentários nos espaços, por razões pessoais.

Jurandir Bernardes Lima (1944-2022)

Eu, Paulo Telles, e os demais integrantes do Cinema com Poesia (CCP) lamentamos profundamente sua perda e nos solidarizamos com a família e com os demais amigos. E agradeço ao Mariano por fazer contato e informar-me do falecimento de seu irmão.

Fique em paz, nobre baiano! Obrigado por suas colaborações e deixar-nos boas lembranças, que certamente, estão imortalizadas na mente e no coração daqueles que o amam e admiram. O cinema também agradece, afinal, cinema é tudo de bom... e sempre será!

Paulo Telles

Esta homenagem está sendo prestada no site

CINEMA COM POESIA

https://cinemacompoesia.wordpress.com/





2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Uma linda homenagem! Meu tio deixa muitas saudades e lembranças de sua jornada que pudemos ver aqui muito bem escritas por Paulo Teles. Muito obrigada por escrever com tantos detalhes sua trajetoria no cinema e vida. Sua sobrinha Sulamita Lima

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