domingo, 16 de abril de 2023

A Carga da Brigada Ligeira (1936): A Exaltação do Heroísmo Individualista e do Prepotente Imperialismo Britânico na Visão de Michael Curtiz



No cinema de outrora (antes da década de 1940), se um executivo quisesse chamar a atenção das plateias para cenas espetaculares de ação, os produtores provocavam quedas de cavalos, principalmente no gênero Western e Épico. Com esse “efeito”, os técnicos de Hollywood praticamente eram obrigados a mata-los. O cruel método tinha até um nome, Running W, que consistia em amarrar arames nas patas dianteiras dos animais que galopavam frente às câmeras até o ponto em que, ligados às estacas fixas, os arames se distendiam, ocasionando tombos violentos. Justamente por abusar desse truque um tanto malévolo em A CARGA DA BRIGADA LIGEIRA (The Charge of The Light Brigade, 1936) que a Warner foi processada pela Sociedade Americana Protetora dos Animais e reconheceu ter sacrificado diversos cavalos, principalmente na famosa sequência final, que mesmo com todos estes fatos nada agradáveis, ainda assim foi prodígio de montagem e efeitos especiais, onde reconstituiu a histórica Batalha de Balaklava, durante a Guerra da Crimeia (1854-1856). Por essa razão, como pelo fato também da temática ser militarista e conservadora, o filme - que em 1936 deu impulso definitivo a carreira de Errol Flynn (1909-1959) depois da revelação em Capitão Blood no ano anterior - nunca mais foi reapresentado nos cinemas depois da II Guerra Mundial, indo parar somente na televisão a partir dos meados da década de 1960.

O Produtor Hal B. Wallis
O Cineasta Michael Curtiz
Errol Flynn, o astro que interpreta um herói militarista e imperialista, retratado aos moldes da antiga Hollywood.
Inspirado num poema do inglês Lord Alfred Tennyson (1809-1892), publicado em 1855, o jornalista nova-iorquino Michael Jacoby (1898-1970) redigiu um argumento que, a princípio, não interessou ao produtor Hal B. Wallis (1899-1986). Contudo, foi o êxito comercial de Lanceiros da Índia, realizado em 1935 por Henry Hathaway e estrelado por Gary Cooper que convenceu a Warner a filmar o roteiro de Jacoby mediante substanciais alterações, dando assim sequência a um pequeno ciclo que Hollywood consagrou, na época, à colonização da Inglaterra vitoriana na África e na Índia, através de outras obras como As Quatro Penas Brancas e Gunga Din, ambos realizados em 1939. 

Errol Flynn é o Major Geoffrey Vickers, do 27º Regimento de Lanceiros da índia.
O Major Vickers (Errol Flynn) e seus oficiais comandados, entre eles, David Niven.
O 27º Regimento chegando ao  Forte Chukoti
Anteriormente, o tema sobre a Guerra da Crimeia já havia sido abordado num curta de 1912 e também no filme inglês Balaklava, em 1930. Somente anos mais tarde, em 1968, é que o evento ganharia uma versão real e desmistificadora colocando o imperialismo inglês contra a parede, no remake de A Carga da Brigada Ligeira, dirigido por Tony Richardson. Aqui, no entanto, a versão estrelada por Errol Flynn é o da exaltação do heroísmo individualista, do militarismo vingador e do prepotente imperialismo. Quase toda a ação transcorre na Índia, e somente nos seus quinze minutos finais de projeção é que vem a descrever o combate de Balaklava, e ainda assim em desobediência aos verdadeiros eventos e a submissão à total falsificação histórica. Personagens que historicamente são importantes, como os lordes Raglan e Cardigan, não tem papéis importantes na ocorrência da fita, e a carga dos Hussardos (em realidade militarmente desastrosa), é atribuída a um gesto do herói, o Major Geoffrey Vickers (interpretado por Flynn),  em represália ao massacre de mulheres e crianças pelos hindus.  Tal chacina, nunca aconteceu.

O Vilão Surat Khan (C. Henry Gordon), líder hindu, que rompe ligações diplomáticas com os ingleses, aliando-se aos inimigos.

O Major Vickers e sua noiva, Elsa Campbell (Olivia De Havilland).
Elsa e Geoffrey: Uma relação conflituosa, tudo porque na realidade...
Dentro desse pano de fundo narrado de forma artificial, encontramos o líder hindu Surat Khan (C. Henry Gordon, 1884-1940), que rompe relações comerciais com os ingleses e alia-se secretamente aos russos. Estabelecido um conflito nos Balcãs entre russos de um lado, turcos, franceses e ingleses de outro, o Major Geoffrey Vickers (Flynn), do 27º Regimento de Lanceiros da Índia, é enviado à Arábia para comprar cavalos. Em Calcutá, reencontra a noiva, Elsa Campbell (Olivia De Havilland, 1916-2020) que se apaixona por seu irmão, Capitão Perry (Patric Knowles, 1911-1995). Surat Khan destrói e massacra o forte Chukoti, mas Geoffrey – a quem o próprio Surat deve a vida – escapa com a noiva. O 27º é transferido para a Crimeia e Geoffrey, ciente que Surat se uniu aos russos, prepara sua vingança ao massacre, ordenando a carga de 700 cavaleiros ingleses contra 25 mil inimigos.

Elsa ama o irmão de Geoffrey, o também militar Capitão Perry Vickers (Patrick Knowles)
A expressão de Elsa (Olivia De Havilland) confessando ao noivo seu amor pelo irmão dele.


O Major Vickers e o mascote do Regimento, Prema, filho de um militar aliado, Major Puran Singh.
O oficial indiano Puran Singh (J. Carrol Naish) chora ao segurar o corpo do filho, Prema, morto no massacre no forte liderado por Surat Khan.
Contudo, é precisamente este sopro de legenda épica e gloriosa, que se assemelha aos clássicos do western, é que veio assegurar à realização do diretor Michael Curtiz (1886-1962) um posto vitalício e de honra na antologia do cinema de aventura. A Warner, que gastou um milhão e 200 mil dólares no projeto, nada poupou para levar sua “carga” de ímpar grandiloquência. Até mesmo um forte inteiro, o de Chukoti, foi construído em Agoura, perto de San Fernando Valley (todos os exteriores foram rodados na Califórnia, em Lake Sherwood, Lone Pine, Sonora e Chatsworth). O impecável tratamento em preto e branco do fotógrafo Sol Polito (1892-1960) e a trilha sonora de Max Steiner (1888-1971) têm grandes destaques na produção. No elenco despontam além de Flynn e De Havilland (em seu terceiro filme juntos) nomes importantes como Donald Crisp (1892-1974), Nigel Bruce (1895-1953), J. Carrol Naish (1896-1973), Spring Byington (1886–1971), e David Niven (1909-1983), que iniciava sua carreira em Hollywood.

O Major Vickers, entre o Capitão Randall (David Niven) e o Coronel Campbell (Donald Crisp), pai de Elsa, para decidir detalhes dos planos para deter Surat Khan.
O confronto final na Batalha de Balaklava.
O Major Vickers em sua luta heroica até suas últimas consequências, sacrificando sua própria vida.

O fim de Surat Khan.
Foi no set de A Carga da Brigada Ligeira que o diretor, o húngaro Michael Curtiz (que ainda mal falava inglês!), gritou para um assistente: "Traga os cavalos vazios" ("Bring on the empty horses"), querendo dizer os cavalos sem ninguém montado, e que mais tarde David Niven usou como título de sua autobiografia. A Carga da Brigada Ligeira  ainda obteve um Oscar: o de melhor assistente de direção (categoria hoje inexistente), Jack Sullivan (1893-1946). 

Errol Flynn

Divulgação pelos jornais da época

O Lançamento do filme em março de 1937 pelas salas cariocas. Acima, a divulgação da estreia do filme no jornal O GLOBO. Acima, um pequeno cartaz anunciando o clássico no extinto Cine-Plaza (hoje, um lindo prédio comercial que leva o mesmo nome, no Centro do Rio de Janeiro). 
Visto e analisado nos dias atuais, talvez incomode um pouco a abordagem colonialista e o evidente racismo (os indianos intrinsecamente selvagens e assassinos em oposição aos ingleses, "nobres e heroicos"). Ainda assim, apesar do artifício da trama e da polêmica que a cerca - trata-se de uma obra prima incontestável da Sétima Arte assinada por um dos maiores cineastas do século XX, atravessando as barreiras imutáveis do tempo e do vento, graças ao seu exuberante espírito de aventura. 


Capa de DVD

FICHA 

TÉCNICA

A CARGA DA 

BRIGADA LIGEIRA 

(THE CHARGE OF 

THE LIGHT BRIGADE)

País : Estados Unidos

Ano : 1936

Gênero: Aventura

Direção: Michael Curtiz

Produção: Hal B. Wallis, Jack L. Warner, e Harry M. Warner, para Warner Brothers

Roteiro: Michael Jacoby, baseado em poema de Lord Alfred Tennyson

Fotografia: Sol Polito - Em Preto & Branco

Música: Max Steiner

Metragem: 115 minutos 


A CARGA DA BRIGADA LIGEIRA: Um clássico do cinema!

ELENCO

Errol Flynn – Major Geoffrey Vickers

Olivia De Havilland – Elsa Campbell

Patrick Knowles – Capitão Perry Vickers

Henry Stephenson – Sir Charles Macefield

Nigel Bruce - Sir Benjamin Warrenton

Donald Crisp – Coronel Campbell

David Niven – Capitão Randall

C. Henry Gordon – Surat Khan

     G.P. Huntley -Major Jowett

Robert Barrat – Conde Igor Volonoff

Spring Byington - Lady Octavia Warrenton

E.E. Clive - Sir Humphrey Harcourt

J. Carrol Naish - Subadar-Major Puran Singh

     Princess Baba – Mãe de Prema

Scotty Beckett – Prema Singh

George Regas - Vizir

 

Matéria originalmente publicada no extinto Blog "Filmes Antigos Club - A Nostalgia do Cinema", em 2016, agora atualizada e revisada pelo redator.

Paulo Telles





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