Quando
o cineasta Nicholas Ray (1911-1979) realizou DELÍRIO DE LOUCURA (Bigger Than
Life) em 1956, a cortisona, uma substância química que tem finalidade de
combater inflamações articulares ou alérgicas, estava em sua fase inicial de
pesquisa. Ray abriu aqui novas perspectivas no campo cinematográfico ao
divulgar o caráter denunciatório dos efeitos colaterais que tais substâncias
produzem através da promessa de cura, mas não faz mais do que merecer uma
análise acurada da vida cotidiana. Desde que estreou no cinema em 1949, Nick
Ray, que nunca acreditou em "obra desinteressada" e sim na “arte pela arte”, fez
de seus trabalhos uma tribuna para suas pregações de ordem moral, sobretudo
para a juventude que foi sua ocupação predileta, tal como fez em Amarga Esperança (1949) e Juventude Transviada (1955), este então
que ficou nos registros da história como uma das obras mais importantes já
realizadas no terreno da contribuição para a Sétima Arte.
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Diretor Nicholas Ray.
Em DELÍRIO DE LOUCURA, a preocupação de Ray ainda é com os
jovens. Mesmo querendo mascarar a tragédia da trama com dosagem irônica e
humorística fornecida pelo diálogo, o diretor consegue fazer a história gerar
em torno de uma droga até então objeto de estudos, e de suas consequências para
o comportamento humano. Ray dirige todas as suas atenções para a influência que
isso pode causar na formação da juventude, tentando também alertar aos
educadores e professores, que tem voz ativa para a juventude. Curiosamente, tal como em Juventude Transviada, a
trama situa-se dentro de uma escola, cujos personagens refletem todos os
problemas domésticos dos próprios educadores, os formadores do ensino.
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James Mason como o Professor Ed Avery... |
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...casado com Lou (Barbara Rush) e pai de um menino. Ele sofre de uma inflamação arterial e é submetido a cirurgia. |
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Após o processo cirúrgico, Ed passa a tomar cortisona.
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O personagem
central não é nenhum jovem ou aluno de qualquer instituição
de ensino, mas sim um professor de quase meia idade, Ed Avery (James Mason,
1909-1984), casado com Lou (Barbara Rush) e pai de um menino, Richie (Christopher
Olsen), que cumpre duas jornadas de trabalho no colégio que leciona. Uma
inflamação arterial leva Ed a fazer tratamento com cortisona. As dores
desaparecem, mas a droga acaba viciando-o. O então equilibrado e prestativo
professor muda totalmente seu comportamento, transformando-o num megalomaníaco,
com delírios de grandeza e poder, submetendo toda a família a pressão
psicológica e violência. Mais do que retratar uma denúncia sobre as drogas, DELÍRIO
DE LOUCURA é sobre um homem lidando com sua própria mortalidade. Ed Avery é,
antes de qualquer coisa, um homem que descobre que sua morte está próxima e
que tudo que o resta não será suficiente para sua plenitude. Num mundo onde a
sociedade da perfeição e do bem-estar são as que mais proclamam, seu crescente
narcisismo o infantiliza, e a consciência emergente de sua mortalidade o põe em
contraste com o mundo a sua volta, fazendo compartilhar com todos a sua fúria,
como meio de imposição.
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O vício pela cortisona altera a personalidade de Ed Avery. |
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Uma das cenas que refletem a vida cotidiana de uma família, como o homem no banheiro fazendo a barba. |
A interpretação de James Mason (que também é o produtor)
está entre as mais espetaculares de sua carreira, muito embora se estranhe sua escalação para
um papel que exigiria um tipo genuinamente americano. Ator inglês com tendências teatrais, seu sotaque parece posicioná-lo em uma esfera diferente
daquela em que está inserida na trama, a agradável e segura classe média
americana do pós-guerra. Mas isso não impede que Nicholas Ray nos mostre um
pouco da vida cotidiana da sociedade americana daqueles tempos, como uma mulher
na cozinha preparando o café, o homem no banheiro fazendo a barba, ou uma
criança vendo televisão, nada tão diferente como nos nossos dias que são
mostradas milhares e milhares de vezes em tantos filmes ou novelas de TV. A diferença
é que Ray consegue dar um tom diferente a estes detalhes tão simples da
cotidiana vida familiar, transformando o pitoresco num elemento de
dramaticidade constitutivo da própria essência da história, fazendo das
angustias do amor elemento mais importante que a curiosidade despertada pela
situação pouco habitual, dando ao diário sua verdadeira significação no
processo interpretativo da alma humana.
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Divulgação |
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Ed se torna um ser megalomaníaco, com mania de grandeza e poder, não poupando nem mesmo a esposa e o filho de tortura psicológica. |
Entretanto, a crítica americana acolheu com muita hostilidade
DELÍRIO DE LOUCURA. Já os franceses entenderam os propósitos do diretor na
obra, que nele vislumbraram uma reflexão sobre a revolta contra a mediocridade
da vida americana. Cyril Hume (1900–1966), que redigiu muitas das histórias de
Tarzan para a MGM e RKO em produções estreladas por Johnny Weissmuller, junto com Richard Maibaum (1909–1991), compôs um script
baseado em artigo publicado por Burton Roueche (1909–1971), jornalista que
escreveu uma matéria alertando sobre os riscos da então nova droga através de um paciente em crise. Ainda no
roteiro, o diretor Ray, o ator e produtor Mason, e o renomado Clifford Odets (1906–1963)
também deram suas colaborações sem receberem créditos. A equipe técnica é de
primeira categoria, como o fotógrafo Joseph MacDonald (1906–1968) e o compositor David Raksin
(1912–2004), que realizou a trilha sonora.
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Barbara Rush é Lou Avery, esposa de Ed. |
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Richie Avery, filho do casal, vivido por Christopher Olsen. |
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Ed aplicando uma das muitas torturas psicológicas sobre o filho e a esposa. |
Como
notado pelo crítico e cineasta francês Jacques Rivette (1928-2016) em seu artigo
“De l´envention”, publicado pela Cahiers du Cinéma (edição 27), Ray
reflete “a ansiedade sobre a vida, uma
perpétua inquietação que é paralela àquela de seus personagens”, onde “a batalha real encontra-se apenas em um dos
personagens, contra seu demônio interior da violência, ou de um pecado mais
secreto, que parece associado ao homem e sua solidão”. Bigger Than Life é um filme que deve ser visto como um pouco
acima de uma realização cinematográfica, feita sob os auspícios e interesses comerciais
de um grande estúdio (no caso, a 20th Century Fox), um filme que é o resultado
de uma concepção bastante diferente das formas estabelecidas e que exige do
espectador não o riso desconcertado, mas um esforço de reflexão e inteligência
para compreender a nobre mensagem que Nicholas Ray deseja nos passar.
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Walter Matthau é Wally Gibbs, professor de Educação Física e colega de Ed na escola que leciona... |
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...que chega a tempo de salvar Lou e o filho... |
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...antes que o pior aconteça. |
Além
de James Mason, temos a presença da bela Barbara
Rush, que proporciona uma grande interpretação como a esposa de Ed, Lou. Repentinamente,
Barbara em DELÍRIO DE LOUCURA adquiriu uma maturidade artística há muito refreada
pela incompreensão dos produtores. Walter Matthau (1920–2000) faz o professor
de Educação Física Wally Gibbs, que chega a tempo de salvar Lou de ser morta
pelo marido. E o veterano Robert F. Simon (1908-1992) interpreta o Dr.Norton.
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James Mason em uma de suas melhores atuações! |
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Apesar dos dramas, nem tudo está perdido para Ed, que receberá tratamento para se livrar do vício e o apoio familiar. |
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James Mason e Barbara Rush, o casal de DELÍRIO DE LOUCURA (1956).
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DELÍRIO DE LOUCURA é uma obra de importância capital na história
do cinema, a menos que estejamos enganados no que concerne-se aos fundamentos e
objetivos dessa arte admirável, e que concordemos que o cinema não é apenas "diversão digestiva, especialmente depois do jantar".
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Divulgação do filme pelos jornais cariocas. O Cine Roxy ainda continua de pé em Copacabana, e o Palácio hoje é o Teatro Riachuelo, centro do Rio de Janeiro. |
FICHA
TÉCNICA
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Poster divulgatório |
DELÍRIO
DE
LOUCURA
(Bigger Than Life)
País – Estados Unidos
Ano – 1956
Gênero - Drama
Direção – Nicholas
Ray
Produção – James
Mason, em produção e distribuição pela 20th Century Fox.
Roteiro – Cyril Hume
e Richard Maibaum (e não creditados: James Mason, Nicholas Ray e Clifford
Odets)
Fotografia – Joseph
MacDonald, em Cores
Edição - Louis R.
Loeffler.
Música – David Raksin
Metragem – 95
minutos.
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Divulgação |
ELENCO
James Mason –
Professor Ed Avery
Barbara Rush – Lou
Avery
Walter Matthau –
Instrutor Wally Gibbs
Robert F. Simon – Dr.
Norton
Christopher Olsen –
Richie Avery
Roland Winters – Dr.
Ruric
Rusty Lane – Bob La
Porte
Rachel Stephens –
Nurse
Kipp Hamilton – Pat
Wade
Matéria Publicada originalmente no extinto blog "Filmes Antigos Club - A Nostalgia do Cinema" em agosto de 2016.
Paulo Telles
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