quarta-feira, 15 de março de 2023

Matar ou Morrer (1952): Clássico Absoluto do Western Com Alusão Ao Macarthismo.

Gary Cooper em MATAR OU MORRER.

Clássico que estabeleceu as bases do chamado Western Psicológico, Matar ou Morrer (High Noon, 1952) dirigido por Fred Zinnemann (1907-1997), e estrelado por Gary Cooper (1901-1961), é tido como uma alegoria política a remeter um período medonho ocorrido nos Estados Unidos no início de 1950, o Macarthismo, um termo que refere-se à prática de acusar alguém de subversivo ou comunista, o que motivou perseguição de grande parte do Congresso Americano contra aqueles que os achassem como uma “ameaça” a democracia . Um western aqui levado à dimensão de tragédia grega, que os americanos, principalmente os aderidos ao Partido Democrata Americano (e filme predileto do ex-Presidente Bill Clinton), consideram de suma importância cultural e política, tanto que uma cópia foi depositada numa capsula do tempo para ser aberta no ano 2213.

O Cineasta Fred Zinnemann

Matar ou Morrer é um filme transparente nos mais diversos sentidos. Tanto seu enredo quanto a condução cinematográfica abstêm-se de analisar acuradamente a conduta humana, ou melhor, ela a expõe de forma mais pungente e realista possível. A simbiose entre a trama e a amostragem comportamental é absoluta, transcorrendo a história em previsíveis e lógicos desdobramentos no contexto das alternativas possíveis.

O Diretor Zinnemann combinando detalhes da produção com os astros Gary Cooper e Grace Kelly.

Matar ou Morrer articula muito bem o óbvio, resultando daí um dos melhores westerns da história do cinema, sem sombra de dúvida. Se o fio central da trama (a chegada dos bandidos) é prenunciado, o mesmo não sucede com a posição dos habitantes da cidade. Se a trama já prevê seu desfecho (o duelo do herói com seus contendores), diversamente ocorre com o resto dos personagens que poderão, por sua atitude, manter tal desfecho, alterá-lo, ou impedi-lo. Enquanto expectativa, essa atuação constitui elemento de surpresa. No transcurso do filme, sobretudo na espera dos bandidos pelo seu líder na estação de trem e na posição dos habitantes em relação à contenda do xerife.

MONTAGEM ESPECIAL

Gary Cooper como o xerife Will Kane. O herói mais humano do western americano. 

Por estas e outras que Matar ou Morrer é uma película que chama atenção da sociedade antes mesmo de se proclamar um western de primeira grandeza, a intranquilidade e o suspense tomam se instauram. O rigor e o despojamento cedem espaço para a indispensável atmosfera musical de Dimitri Tiomkin (1894-1979) nos momentos mais tensos, num faroeste cuja tensão já é por si mesma, contínua.

Will Kane talvez seja o herói mais humano já produzido no western americano. Gregory Peck havia sido a primeira escolha para o papel do honrado xerife, mas recuou porque havia recentemente participado de outro western ao estilo psicológico, O Matador (The Gunfighter, 1950) dirigido por Henry King, e viu similaridades entre Will Kane e o Johnny Ringo que interpretou. Sendo posteriormente a parte oferecida a Gary Cooper, este leu o script e concordou em interpretar. O diretor Zinnemann considerou Cooper como um ator que “faz a diferença entre um filme mediano e um filme muito melhor que o mediano”, Na ocasião em que Matar ou Morrer estava sendo produzido, Zinnemann declarou:

A Consciência de um homem que julga não poder fugir de uma situação adversa. Aconteceu de ambientar-se num western, poderia tomar lugar em qualquer parte onde um homem enfrenta essa decisão. É uma situação intemporal.

O roteirista Carl Foreman

Kane é um herói trágico, bem diferente de outros mocinhos do western, distante de personagens de John Ford e Howard Hawks, onde para eles a essência do medo não existe. Em contrapartida, Kane tem cautelas, mas longe de fugir da luta e enfrenta seus desafios com dignidade. Talvez seja por isso que torna-o um personagem muito mais próximo da humanidade. Zinnemann repartiu com quatro colaboradores o sucesso desta obra prima, como o fotógrafo Floyd Crosby (1899-1985, impecável fotografia em preto & branco), o roteirista Carl Foreman (1914-1984), o montador Elmo Williams (1913-2015), e o compositor Dimitri Tiomkin. Com o fotógrafo Crosby, Zinnemann optou por uma imagem oposta ao usual no gênero:

Eu disse a ele que gostaria que o filme se assemelhasse a um cine-jornal. Não havia filtros e o céu era sempre muito branco. Tentamos fazer o mesmo, e não usamos nada, somente iluminação frontal. E além disso, não procuramos glamourizar Cooper. Nós o mostramos como um homem de meia idade, e ele não objetou.  A comparativa “imperfeição” técnica resultante funcionou de modo sublime, e isto fez com que o público sentisse a coisa mais realisticamente. Na maioria dos westerns, belas formações de nuvens são consideradas obrigatórias, mas queríamos enfatizar a esterilidade da cidade, a inércia de tudo e todos. Para contrastar isto, como os movimentos do xerife, vestimos Cooper todo de preto. Assim, seu vulto solitário se agita pela resplandecente inércia de tudo, parecendo seu destino ainda ser mais pungente


O Xerife Will Kane e sua esposa, a quaker Amy (Grace Kelly)

O dinamismo da obra nasce desses contrastes – branco/preto, inércia/movimento – e se intensifica na vibração da montagem de Williams e na inventiva distribuição musical de Tiomkin, alicerces do crescente suspense. Todos os incidentes então concentrados entre as 10h40m e meio dia de um domingo de 1870, em Hadleyville. Nessa quase hora e meia, o xerife Will Kane (Cooper), então recém-casado com Amy Fowler (Grace Kelly, 1928-1982, em seu segundo filme em Hollywood), uma Quaker, tenta obter o auxílio da população, para enfrentar um famoso pistoleiro, Frank Miller (Ian MacDonald, 1914-1978), que anos antes, Kane havia mandado para cadeia e que agora chegará no próximo trem para se vingar.

Apesar de todos os apelos da esposa Amy (Grace Kelly), Kane recusa-se a ir embora com ela. 

Frank Miller (Ian MacDonald) que juntamente com seu bando quer acertar as contas com o Xerife Kane.

Todos aconselham a Kane a partir para sua lua de mel com Amy e sair da cidade, e a própria esposa apela ao marido para esquecer Frank e seus asseclas. Porém, Kane é um homem consciente do seu dever, e não somente, ele acha que precisa fazer alguma coisa, ou se não, será perseguido pelo resto da vida e não terá paz. Kane dá meia volta com sua carroça e volta para cidade, deixando Amy num posto. Como Quaker, Amy é pacifista e não concorda com a decisão do marido em pegar em armas e enfrentar Miller.  Aos poucos, Kane vai percebendo a solidão, a partir do momento em que os habitantes da cidade para quem serviu como delegado se recusa a ajuda-lo em seu momento crucial. E naqueles tempos sombrios do Macarthismo, a trama já delibera para o lado social e político.

Matar Ou Morrer ainda desponta em seu elenco Lloyd Bridges e Katy Jurado.
Harvey (Lloyd Bridges), antigo ajudante de Kane, é um dos que querem vê-lo fora da cidade. 


Amy e a mexicana Helen Ramirez (Katy Jurado) resolvem sair da cidade, sem interesse no confronto.

A crítica de que o núcleo da trama recaiu de modo exclusivo sobre a ação individual opõe-se a explicação de que seu roteirista, Carl Foreman, parodiou a conjuntura política dos EUA no início dos anos de 1950 quando efervesceu o Macarthismo, explicando sua condição particular ao ter que enfrentar crise semelhante à de Will Kane que, sem apoio, é obrigado a mudar-se de país, o que é normalmente considerado, seja esperta ou ingenuamente segundo o professor Guido Bilharinho em seu ensaio O Filme de Faroeste (Instituto Triangulino de Cultura, 2001) como democracia modelar. Matar ou Morrer funciona como uma verdadeira metáfora sobre o Caça as Bruxas de Hollywood. O script de Foreman é “uma investigação da anatomia do medo; uma destilação de encontro com parceiros, associados e advogados”. A ênfase foi conferida em meio à construção do texto, quando Foreman teve de depor perante a nefasta, louca, neurótica e absurda comissão de investigações do Senador Joseph McCarthy. Depois, Carl Foreman caiu na “lista negra”, só voltando a assinar o próprio nome em 1958.

O CONFRONTO

DIVULGAÇÃO

Na história, a hipocrisia e o medo são imperantes.  Todos querem ver Kane fora da cidade, não porque gostem dele ou querem protege-lo, mas porque ele traria ainda mais o temor à população no duelo com Miller. Na hora fatídica, Kane sabe dos riscos e deixa uma carta de despedida caso morresse no combate. Todos os habitantes se recolhem para suas casas. Quem se ofereceu para ajudar, na última hora foge porque Kane não conseguiu reforços. É o cúmulo, mas o herói parte para o enfrentamento. Consegue liquidar dois dos capangas de Miller, e um deles é morto pela esposa do delegado que estava decidida a sair da cidade, mas volta quando percebe que o homem amado está em eminente perigo.

O momento clímax, além do duelo do homem solitário contra os malfeitores, é também quando tudo já está sob controle, com os habitantes saindo de suas casas, ficando em volta de Kane e da esposa. Numa magnífica interpretação de Cooper, que merecidamente arrebatou seu segundo Oscar de Melhor Ator (o primeiro fora em Sargento York, de Howard Hawks, em 1941), Kane volta-se para aquele pessoal com total desprezo e joga ao chão a sua estrela de xerife, com indiferença e repúdio, e parte com sua carroça indo  embora com a amada e fiel Amy, sem olhar para trás... como em tantos desafios na vida!


O Mestre Dimitri Tiomkin assinou a partitura musical.

Um verdadeiro clássico, do gênero Western Classe A, que é ao mesmo tempo um dos retratos mais pungentes que o cinema já produziu sobre a condição humana, onde exprime o comportamento de toda uma sociedade paralisada pelo medo, arrebatando três prêmios da Academia – de montagem (Elmo Williams), ator (Gary Cooper, merecido!) e música e canção (Dimitri Tiomkin), cuja trilha frisa com impacto todos os acontecimentos da trama, a destacar a balada Do Not Forsake oh My Darling, interpretada por Tex Ritter (1905-1974) entoando versos de Ned Washington (1901-1976). Um clássico absolutamente inesgotável para os amantes da Sétima Arte.


Divulgação do filme pelos jornais do Rio de Janeiro, em grande triunfo.

FICHA TÉCNICA

MATAR OU 

MORRER

(HIGH NOON)

Ano de Produção – 1952

País – Estados Unidos

Gênero - Western

Direção – Fred Zinnemann

Produção – Stanley Kramer, para United Artists, em distribuição.

Trilha Sonora – Dimitri Tiomkin, com vocal de Tex Ritter.

Roteiro – Carl Foreman

Fotografia – Floyd Crosby, em Preto & Branco

Montagem – Elmo Williams

Metragem – 85 minutos

ELENCO

Gary Cooper – Xerife Will Kane

Grace Kelly – Amy Fowler Kane

Thomas Mitchell – Prefeito Jonas Henderson

Lloyd Bridges – Harvey Pell, ajudante do Xerife

Kate Jurado – Helen Ramirez

Otto Kruger – Juiz Percy Mettrick

Lon Chaney Jr – Martin Howe

Harry Morgan – Sam Fuller

Ian MacDonald – Frank Miller

Eve McVeagh – Mildred Fuller

Morgan Farley – Dr. Mahin – Ministro Protestante

Harry Shannon – Cooper

Lee Van Cleef – Jack Colby

Robert J. Wilke – Jim Pierce

Sheb Wooley – Ben Miller

Lee Aaker – menino que esbarra em Kane

  Larry J. Blake – Gillis, o barman.     

Uma matéria escrita por Paulo Telles para o site Cinema Com Poesia.



                 

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