sábado, 24 de junho de 2023

Príncipe Valente (1954): De Henry Hathaway, Uma Clássica Adaptação Cinematográfica Oriunda dos Quadrinhos.



O cinema frequentemente tem levado adaptações dos quadrinhos para o cinema. Não é de hoje este casamento (algumas vezes desencontrada) entre a Sétima Arte e os gibis. Aliás, isso já era levado, de certa forma, para o cinema antigo, através dos seriados das matinês, onde se viu personagens como Flash Gordon, Fantasma, Super-Homem, Mandrake, entre outros.

Histórias em Quadrinhos dO PRÍNCIPE VALENTE
Hal Foster, o criador de PRÍNCIPE VALENTE.
Mas o que dizer de um personagem criado em 1937 por um desenhista muito conceituado com a finalidade de leva-lo para as tiras de jornais aos domingos? O desenhista em questão é o magistral Hal Foster (1892-1982), o mesmo que desenhou também para as tiras dominicais as histórias de Tarzan, e o personagem é PRÍNCIPE VALENTE. Foster elaborou uma novela tendo um jovem príncipe como protagonista, com enredo contínuo e destaque para o realismo dos panoramas, com narrativa mais sofisticada que o habitual no universo dos quadrinhos, sendo muitas vezes também bem humorada. Até hoje, as tiras de PRÍNCIPE VALENTE são publicadas semanalmente em mais de 300 jornais americanos, de acordo com sua distribuidora, a King Features Syndicate. Foster, ao não usar os "balões" para os textos, retomou o estilo dos primeiros quadrinhos ao mantê-los na parte de baixo de cada quadro. Os acontecimentos mostrados são historicamente precisos, mas de períodos históricos bem distintos que vão desde o antigo Império Romano à Alta Idade Média, com algumas poucas ambientações em tempos mais recentes.

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Os traços de Príncipe Valente, por Hal Foster. Acima, reprodução de uma das tiras dominicais, e os demais personagens que cercam em suas aventuras nos quadrinhos.
Príncipe Valente nos tempos do Rei Arthur (Prince Valiant in the Days of King Arthur) foi sucesso nos grandes jornais pela parte do mundo, chegando a imprimir 4000 tiras em quadrinhos, publicadas aos domingos. Até o Duque de Windsor considerava Príncipe Valente como uma grande contribuição para a literatura inglesa. E também pudera: o trabalho de Hal Foster no mundo das Histórias em Quadrinhos é considerado como uma das melhores no ramo, seja pela narrativa, pela arte, ou pelo enorme rigor e fidelidade à verdade dos ambientes (humanos, culturais e naturais) mostrados. 

POSTER ORIGINAL

PRÍNCIPE VALENTE (1954): Um dos primeiros filmes rodados em CinemaScope. Foto durante sua premiere no Chinese Theatre, em 1954.
Entretanto, somente dezessete anos depois, em 1954, que o personagem criado por Hal Foster assumiria vida no cinema. Nesta época, o revolucionário CinemaScope procurava filmar grandes produções para justificar este novo formato, e viram que PRÍNCIPE VALENTE (Prince Valiant) seria o espetáculo perfeito para se aproveitar o bom uso da tela e suas qualidades panorâmicas, como já havia sido feito em O Manto Sagrado em 1953, o primeiro filme lançado por esta inovação cinematográfica.

Darryl F. Zanuck, Chefe da 20th Century Fox e um dos idealizadores do filme.
Jeffrey Hunter, o primeiro ator apontado para o papel de Príncipe Valente
O magnata chefão da 20th Century Fox, Darryl F. Zanuck (1902-1979) investiu neste novo épico extraído dos quadrinhos de Hal Foster junto ao produtor Robert L. Jacks (1927-1987), e acreditou que pudesse conseguir o mesmo êxito de The Robe no ano anterior. O papel do herói de Foster já estava destinado para o mais promissor galã do estúdio, Jeffrey Hunter (1926-1969), mas este tinha um “rival” na mesma empresa, o jovem Robert Wagner, que tinha na época 23 anos. Hunter acabou perdendo o papel e Wagner assumiu o personagem Príncipe Valente.

Robert Wagner ficou com o papel do herói criado por Hal Foster, muito embora o desenhista considerasse o perfil do jovem ator imaturo para o personagem.
O roteirista Dudley Nichols, que adaptou para o cinema PRÍNCIPE VALENTE (1954), fugindo dos propósitos de Hal Foster.
Hal Foster chegou a declarar, tempos depois, sobre o que achou do filme e da atuação de Wagner: O rosto dele era imaturo. Ele corria pra todo lado com a boca aberta. Mas apesar de tudo, gostei, foi uma boa experiência. “De certo modo”, não tive nada a ver com o filme. Primeiro me enviaram um roteiro e me pediram que eu melhorasse, fazendo sugestões, mas eles devem ter perdido minha carta. Depois me pagaram um salário fabuloso para eu ir até lá (na Inglaterra, onde grande parte do filme foi rodado), mas eu sabia que não tinha nada a dizer, que só me desapontaria, pois nada que eu falasse ou fizesse mudaria o padrão de Hollywood.

O cineasta Henry Hathaway, diretor de PRÍNCIPE VALENTE (1954).
Franz Waxman, músico que compôs a trilha para o filme.
Entretanto, sabe-se que cinema e quadrinhos são artes bem distintas, e na maioria das vezes, adaptações cinematográficas saídas de gibis tem tudo para dar mais errado do que certo. Contudo, se considerarmos que Príncipe Valente pudesse ter um argumento que deixasse a desejar, em contrapartida do primoroso elenco que o cerca, entre mortos e feridos, a fita não se sai mal, graças à bela fotografia do competente Lucien Ballard (1904–1988) e da direção clássica de um cineasta renomado como Henry Hathaway (1898-1985). Hathaway tem um currículo que comprova sua versatilidade como um dos grandes artesãos de Hollywood. Em Príncipe Valente, ele testifica isso cabalmente, com uma realização que mesmo tendo suas adversidades técnicas e desencontro de duas mídias distintas (como são os quadrinhos e o cinema), soube guiar com estilo primoroso esta superprodução.

ROBERT WAGNER

O Príncipe Valente (Robert Wagner) e seu interesse amoroso na aventura, a Princesa Aleta (Janet Leigh).
As filmagens externas foram rodadas na Inglaterra entre a Primavera e o Verão de 1953, enquanto as internas foram realizadas em estúdios na Califórnia, no Outono de 1954. Contudo, mesmo o CinemaScope pode ter suas limitações se o espetáculo não seguir suas particularidades essenciais. O filme limita-se a paisagens e cenários bem decorativos, mas segundo a crítica americana da época, resultou num espetáculo vazio, distanciando-se muito do conceito movies, que era pelo menos tão particular no cinema americano na época, onde se perde o que há de história e anedótico. Dudley Nichols (1895–1960), costumeiramente um excelente roteirista (No Tempo das Diligências), perde-se no argumento, querendo elevar Valente como um príncipe cristão em defesa da fé, o que foge dos conceitos originais propostos por Hal Foster, que em suas histórias originais utiliza muito da mitologia nórdica e de elementos pagãos. Neste quesito, o que era para ser uma aventura adaptada aos moldes dos quadrinhos passa a ser uma aventura épica com divulgação religiosa.  Mas há de se entender dos motivos que levaram Nichols a escrever uma história simples, já que as tiras dominicais de Foster são bem mais densas. Entretanto, uma qualidade a se acrescentar é a trilha sonora de Franz Waxman (1906-1967), que já abre o espetáculo com a arte de Hal Foster estampada em sua apresentação. 

A Camelot de PRÍNCIPE VALENTE (1954).
Valente, perante a corte do Rei Arthur e dos Cavaleiros da Távola Redonda.
Sir Kay (Tom Conway) e Rei Arthur (Brian Aherne)
Da esquerda para a direita: Ilene (Debra Paget), Princesa Aleta (Janet Leigh) e seu pai, o Rei Luke (Barry Jones), Rei Arthur (Brian Aherne) e sua Rainha Guinevere (Jarma Lewis).

O elenco em grande parte tem seu primor. Bob Wagner, galã com talentos limitados, que muito embora começasse no cinema, é bem melhor aproveitado na TV, tornando-se futuramente astro das séries O Rei dos Ladrões (1968-1970) e Casal 20 (1979-1984). O próprio ator reconheceu em seu livro de memórias que a escolha para ele viver Príncipe Valente foi inadequada. O resto do cast parece se entreter melhor do que o próprio âncora da fita, afinal, temos que admitir que a história foi bem escolhida, onde se tem um conto de fadas a moda americana da década de 1950, com o heroísmo, o mocinho, o vilão, a virtude castigada, muitas lutas, e finalmente, o bem triunfando sobre o mal.  Temos Janet Leigh (1927-2004) como a Princesa Aleta, interesse amoroso de Valente. Um notável vilão como James Mason (1909-1984), que rouba a fita de cena a cena. Um gigante como Sterling Hayden (1916-1986) perfeito no papel de Sir Gawain. E ainda, Donald Crisp (1882-1974) como o Rei Aguar, pai do herói, e Victor McLaglen (1886-1959) como um poderoso Viking. E não se pode esquecer de Debra Paget, que mesmo em sua estonteante beleza, pouco faz no filme a não ser se apaixonar pelo personagem de Hayden. A produção  é ainda valorizada pela narração britânica do ator Michael Rennie (1909-1971), de O Dia em que a Terra Parou  (1952).
James Mason (como o vilão Sir Brack) rouba o filme de cena a cena com sua magistral atuação. 
Sterling Hayden, ótimo como Sir Gawain.
Debra Paget, que quase não aparece na fita, como Ilene. 

A Trama

O Rei Aguar (Donald Crisp) e sua família viking se tornaram cristãos, e por isso são vítimas de traição e fogem para o exílio, ficando sob a proteção do Rei Arthur (Brian Aherne, 1902-1986) e dos Cavaleiros da Távola Redonda. Quando atinge a maioridade, o filho de Aguar, Príncipe Valente (Robert Wagner), é enviado pelo seu pai à corte do Rei Arthur, para se tornar cavaleiro. Ao chegar à praia, ele é atacado por um misterioso Cavaleiro Negro. Consegue fugir e chegar até Camelot, onde se apresenta ao Rei Arthur. Pedindo para ser cavaleiro, o rei lhe põe aos cuidados do Cavaleiro Sir Gawain (Sterling Hayden), para treina-lo como escudeiro.


Valente se encontra com Sir Gawain (Sterling Hayden), que o treina para escudeiro.
O misterioso Cavaleiro Negro.
Valente e Sir Brack (James Mason).
Valente se apaixona pela Princesa Aleta (Janet Leigh), mas terá que enfrentar as artimanhas de outro Cavaleiro da Távola Redonda, Sir Brack (James Mason), que mais tarde, Valente descobre que é o misterioso Cavaleiro Negro. Este manda os pais e a amada de Valente para uma prisão viking, onde o herói consegue resgata-los com a ajuda de um aliado da família, o também viking Boltar (Victor McLaglen). Valente então volta a Camelot para acertar as contas com Sir Brack, em um duelo decisivo, perante o Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda.

Valente e sua amada Aleta.
Aleta e Valente, capturado pelos vikings
O viking Boltar (Victor McLaglen) é amigo de Valente, que o ajudará a libertar seus pais e Aleta da prisão.
Enfim, o duelo decisivo entre Valente e Sir Brack.
Certamente, Príncipe Valente, produzido há mais de 60 anos, é digno do espetáculo, sendo um cinema para adultos por seu aspecto de nostalgia recompondo a História em Quadrinhos (mesmo com algumas imperfeições, porém mantendo as características), mas que tem capacidade de agradar também ao público juvenil, que talvez nunca tenha lido as tiras dominicais do personagem. Seja como for, é um filme importante por ser um dos primeiros a serem produzidos pelo CinemaScope, e por também tratar-se de uma das primeiras adaptações extraídas dos Quadrinhos para o cinema contemporâneo, algo raro nas produções da década de 1950. PRÍNCIPE VALENTE estreou nas salas do Cinema Palácio, Centro do Rio de Janeiro, nas férias escolares de Julho de 1954. 

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ROBERT WAGNER É O PRINCIPE VALENTE

O jovem príncipe, agora sagrado Cavaleiro da Távola Redonda como Sir Valente.
Seja como for, é um filme importante por ser um dos primeiros a serem produzidos pelo CinemaScope, formato de tela que acabou revolucionando toda a estética da Sétima Arte.

DIVULGAÇÃO

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DIVULGAÇÃO PELOS JORNAIS

PRÍNCIPE VALENTE foi exibido nos cinemas de todo o Brasil em 1954. No Rio de Janeiro, conforme as divulgações da época, estreou no Cine-Palácio, Centro da cidade, em julho do mesmo ano.

FICHA 
TÉCNICA
País – Estados Unidos
Ano – 1954
Gênero - Aventura\ Épico
Direção – Henry Hathaway
Produção – Robert L. Jacks, para a 20th Century Fox
Roteiro – Dudley Nichols, baseado nas Histórias em Quadrinhos de Hal Foster.
Música – Franz Waxman
Fotografia – Lucien Ballard, em Cores
Metragem - 100 minutos.

POSTER ORIGINAL
Elenco
Robert Wagner – Príncipe Valente
James Mason – Sir Brack
Janet Leigh – Princesa Aleta
Sterling Hayden – Sir Gawain
Debra Paget – Ilene
Victor McLaglen – Boltar
Donald Crisp – Rei Aguar
Brian Aherne – Rei Arthur
Barry Jones – Rei Luke
Mary Philips – Rainha de Thule
Tom Conway – Sir Kay
Hal Baylor – Guarda da Prisão
Primo Carnera – Rei Sligon
John Dierkes – Sir Tristam
Don Megowan – Sir Lancelot
Michael Rennie – Narrador


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