As Sandálias
do Pescador (The Shoes of a Fisherman), superprodução da Metro- Goldwyn- Mayer
realizada em 1968, oriunda do famoso Best
Seller (publicado em 1963) de
Morris West (1916-1999), é de certa forma um filme profético. O fato
curioso é que o escritor West não fazia vaga ideia de que sua historia se tornaria realidade, pois praticamente previu 15 anos antes a
eleição de um Papa vindo de um país comunista em 1978, com a eleição do polonês
Karol Wojtyła, o Papa João Paulo II (1920-2005), o primeiro Papa não italiano
depois de muitos anos. Depois
do Papa polonês, ainda vieram um alemão (Bento XVI) e o atual é um argentino, Papa
Francisco.
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Kiril Lakota (Anthony Quinn) e seu encontro com o Premier Kamenev (Laurence Olivier). Uma proposta para a paz mundial. |
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Lakota recebe a incumbência de ser cardeal, com relutância. |
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Lakota no meio do concílio dos cardeais, e entre eles, o Cardeal Rinaldi, vivido por Vittorio De Sica |
Rodado nos
famosos estúdios italianos de Cinecitta, em Roma (onde a mesma Metro também
filmou os espetaculares épicos Quo Vadis,
em 1950, e Ben-Hur, em 1959), em As Sandálias do Pescador, o Papa em
questão na obra de West, protagonizado soberbamente por Anthony Quinn
(1915-2001) não é polonês e sim ucraniano, Kiril Lakota, outrora um prisioneiro
político da antiga União Soviética, sendo enviado a Roma pelo premier soviético Piotr Ilyich Kamenev
(Laurence Olivier, 1907-1989), cujo objetivo é influenciar o Vaticano a seu
favor, em caso de um conflito com a China. Kiril é nomeado cardeal, e mais
tarde, eleito Papa, sucedendo o seu predecessor, o Papa Elder (John Gielgud,
1904-2000). Assim, Kiril Lakota torna-se o primeiro Papa não italiano da
História da Igreja. Desde o começo, Kiril demonstra ter consciência do seu
papel de pastor e da grande responsabilidade que tem sobre os ombros, já que o
Vaticano também é um Estado, mas ao mesmo tempo, tendo conhecido o sofrimento,
ele luta para minimizar os sofrimentos de seus fiéis.
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O Concílio dos Cardeais, para o conclave do novo Papa. |
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A surpresa de Kiril Lakota, quando eleito para ser o novo Papa. |
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O Cardeal Leone (Leo McKern) pergunta ao Cardeal Lakota como será seu nome pontifício. Papa Kiril. |
Ocupando-se
com a paz mundial, o novo papa consegue evitar um conflito nuclear entre russos
e chineses e decide distribuir as riquezas do Vaticano como índole de seus
ideais (outra “profecia”. Em 1978, o Papa italiano João Paulo I havia declarado
que também distribuiria as riquezas da Igreja entre os países pobres e que
investigaria o Banco do Vaticano, após suspeitas de desvios de dinheiro. Seu
papado durou apenas 33 dias, sendo encontrado morto em seu quarto a 16 de
outubro de 1978. Oficialmente, sua morte constou como ataque cardíaco enquanto
dormia, mas há indícios e suspeitas de assassinato por envenenamento. A teoria
de conspiração sobre este caso já foi abordada disfarçadamente no filme O Poderoso Chefão, Parte 3, com Raf
Vallone no papel de um Papa que faz reminiscência a João Paulo I).
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Habemos Papam!!! |
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O triangulo amoroso do repórter George Faber (David Janssen) entre sua esposa médica (Barbara Jefford) e uma garota italiana, Chiara (Rosemarie Dexter), uma das tramas subjacentes da fita. |
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George Faber entrevista Kiril Lakota |
Mas As Sandálias do Pescador não deixa de
ter suas tramas subjacentes. Numa delas, um triangulo amoroso formado por um
repórter de TV, George Faber (David Janssen, 1930-1980), sua esposa médica Ruth
(Barbara Jefford, 1930-2020), e uma garota italiana, Chiara (Rosemarie Dexter, 1944-2010), uma trama paralela que prejudica em alguns pontos o andamento do tema proposto e que fecha sem solução para o trio.
É Faber que faz a cobertura jornalística que fica de guarda na Praça de São
Pedro para a eleição do novo Papa, sendo Kiril o eleito. George Faber, através
da brilhante narração de David Janssen, prende o espectador ao dar detalhes de
cada item do conclave, incluindo as menções das chaminés e as cores das fumaças
que definem a eleição ou não de um Papa. Já Ruth tem ao longo do filme um breve
contado com o Papa Kiril quando este
consegue fugir por um momento da Basílica de São Pedro para escapar do
protocolo papal e percorrer as ruas do
Vaticano, onde encontra a médica e acabam tratando juntos de um judeu idoso e
enfermo.
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O Papa Kiril e seu amigo, o padre progressista David Telemond,vivido por Oskar Werner. |
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Telemond é um padre polêmico, sob investigação do Vaticano. O personagem foi inspirado por Morris West no Padre Teilhard de Chardin. |
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O Papa Kiril e o enciumado Cardeal Leone, pelo fato de Sua Santidade preferir mais a amizade de Telemond. |
Outra linha
de argumento trata sobre um padre progressista, David Telemond, vivido por
Oskar Werner (1922-1984), que Morris West inspirou-se em Teilhard de Chardin (1881-1955),
padre jesuíta, teólogo, filósofo e paleontólogo francês que tentou construir
uma visão integradora entre ciência e teologia. O Padre Telemond, cujas
avançadas posições teológicas são investigadas pelo Tribunal Pontifício (a
Congregação da Doutrina da Fé), tem seus livros proibidos de serem publicados
pela Santa Sé. Kiril protege Telemond , ao mesmo tempo em que lida com um
cardeal ciumento, Leone (Leo McKern, 1920-2002), que se frustra quando percebe a
afinidade do Papa pelo padre progressista e condenado, já que Telemond sofre de
uma doença incurável e pode morrer a qualquer momento.
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Kiril tenta acudir o Padre Telemond, que sofre um mal súbito. |
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O Roteirista John Patrick |
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Morris West, o autor do romance As Sandálias do Pescador, um dos Best-Sellers mais vendidos de todos os tempos. |
O adaptador
do romance para o cinema, John Patrick (1905-1995), o mesmo roteirista de Casa de Chá ao Luar de Agosto, atualizou
o enredo original de Morris West, principalmente quando se trata ao conteúdo
das tensões internacionais, diferentes entre 1962 a 1968, ou seja, entre o tempo em que o
livro foi escrito e o tempo em que o filme produzido. O filme foi realizado em 1968 durante o
papado de Paulo VI (1897-1978), e o livro de West foi publicado durante o papado de João
XXIII (1881-1963), sendo que este abriu o Concílio Vaticano II em 1962, que deu
novas diretrizes para a Igreja, mas concluída durante a gestão de seu sucessor,
Paulo VI. Em face deste momento de transição para a História da Igreja
Católica, Patrick precisou mexer na obra original de West.
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O Papa Kiril em uma reunião com seus cardeais. |
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Papa Kiril, vivido por Anthony Quinn, em uma magistral interpretação. |
O
australiano Morris West, falecido em 1999, foi um escritor prolífero que escreveu
mais de 25 livros, além de peças de teatro e programas de rádio, e ele mesmo se
encarregou de retocar suas investidas nos bastidores da Cúria Romana em obras
subsequentes, como o famoso Advogado do
Diabo (publicado em 1959), além de Os
Fantoches de Deus (publicado em 1981), e seu último romance, A Última Confissão (publicado após sua
morte, em 2000). Na verdade, West revela seus interesses no catolicismo romano,
falando inclusive de muitos papas, e revela também um interesse na política
internacional. Afinal, o próprio escritor foi um ex-seminarista, passando 12
anos de sua vida em um mosteiro, mas não chegou a se ordenar padre. Como
jornalista, foi correspondente do jornal London
Daily Mail durante alguns meses, testemunhando o suficiente para aguçar
suas preocupações com o poder político e a Igreja, e o papel de ambos na
segurança de um mundo mais organizado e pacifista, ameaçado pelo Apocalipse
nuclear.
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O Papa Kiril, com uma grande carga sobre os ombros. |
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Resolver pacificamente o conflito entre a União Soviética e a China. |
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O Cardeal Rinaldi (Vittorio De Sica) e o Papa Kiril (Anthony Quinn) |
Entretanto, a
superprodução, bem requintada e caprichada, fica datada quando Kiril se envolve
em negociação política com a União Soviética e a China para propor a paz, algo
que fazia de fato muito sentido na década de 1960, mas hoje parece soar
ridícula e ultrapassada. Apesar de todo o primor e requinte da produção, As Sandálias do Pescador não fez tanto
sucesso quanto o romance homônimo de West, mas ainda assim vale como curiosidade e pela
atuação de grandes atores no elenco, liderado pelo notável Anthony Quinn.
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Divulgação |
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Divulgação de um jornal carioca, em 1968, com o filme em exibição no extinto Metro Boavista, na Rua do Passeio, centro do RJ. |
Dirigido por
Michael Anderson (1920-2018) de A Volta ao Mundo em 80
Dias (1956), ainda despontam no elenco, Vittorio de Sica (1901-1974), Arnoldo Foà
(1916-2014), e Frank Finlay (1926-2016). As Sandálias do Pescador ainda teve duas indicações ao Oscar,
para a direção de arte e para a trilha sonora, de autoria de Alex North
(1910-1991), um dos grandes Mestres das trilhas de cinema, que compôs
para Spartacus(1960), e Agonia e Êxtase (1965).
AS
SANDÁLIAS DO PESCADOR
(The
Shoes of
Fisherman)
Ano de Produção: 1968
País– Estados Unidos e Itália
Gênero - Drama
Direção - Michael Anderson
Produção: George Englund, em produção e distribuição da Metro-Goldwyn-Mayer
Roteiro: John Patrick e James Kennaway,
Baseado no romance homônimo de Morris West.
Fotografia: Erwin Hillier (Em cores)
Música: Alex North
Metragem: 162 minutos
ELENCO
Anthony Quinn (Kiril Lakota)
Laurence Olivier (Piotr Ilyich Kamenev)
Oskar Werner (Padre David Telemond)
David Janssen (George Faber)
Vittorio De Sica (Cardeal Rinaldi)
Leo McKern (Cardeal Leone)
John Gielgud (Papa Elder)
Barbara Jefford (Drª Ruth Faber)
Rosemary Dexter (Chiara)
Arnoldo Foà (Gelásio)
Frank Finlay (Igor Bounin)
Clive Revill (Tovarich
Vucovich)
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