sábado, 1 de abril de 2023

O Manto Sagrado (1953): O Filme Cuja Técnica Revolucionou Para Sempre a Estética do Cinema

Há mais de 70 anos, o primeiro filme rodado no processo Cinemascope surgiu para botar a televisão no escanteio. Tudo porque este então novo veículo de comunicação ameaçava o cinema, e as salas de exibição tornavam-se cada vez mais vazias. O conforto de ver televisão em casa provocava medo na indústria de filmes, e donos de estúdios, produtores, cineastas e diversos artistas, mobilizavam-se para não perderem concorrência com a telinha.

Divulgação

Parecia que a Sétima Arte estava com seus dias contados e fadada a um fim irremediável. No entanto, os recursos que grandes produtores e engenheiros encontraram para evitar a "extinção do cinema" e perder a concorrência com a TV foi expandir o formato de seus filmes. Devemos lembrar que, após o surgimento Cinemascope, vieram a surgir os processos Vistavision e Panavision (Câmera de 65mm, em Ben-Hur, 1959), e ainda o Techinirama 70mm, ambos formatos visavam transformar grandes produções em mega-espetáculos, e nada como filmes com temáticas históricas ou grandes épicos para fazer a alegria do público. Sem estas técnicas, é importante frisar que jamais existiria o formato Widescreen, que percorreria a grande maioria dos DVDS lançados no Mercado.

Henri Chrétien, inventor do "Sistema Hypergonar", que daria origem 30 anos depois ao surgimento do CinemaScope.

O curioso é que o Cinemascope já era um processo antigo antes mesmo de seu lançamento oficial em 1953. Engenhosamente, Darryl F. Zanuck (1902-1979), o chefão da 20th Century Fox, encontrou a solução para sobrepujar a concorrência com a televisão, quando lembrou do invento do francês Henri Chrétien (1879-1956), patenteado em 1927, com o nome de Sistema Hypergonar, que consistia basicamente numa câmara de lente anamórfica, capaz de criar imagens destinadas a uma tela duas vezes maior que a tradicional. Aperfeiçoando e "estereofonizado", o processo criado por Chrétien ressurgiu com o nome de Cinemascope, e rendendo uma fortuna aos cofres da Fox. E a nova técnica viria não somente para ficar, mas a influenciar outros formatos de tela. 

Divulgação

Com esta vitória da Indústria Cinematográfica Hollywoodiana, que conseguiu com isto promover a volta do público para as grandes salas, O Manto Sagrado/The Robe ficou na história como o primeiro filme a ser lançado no formato Cinemascope, levando plateias no mundo inteiro aos cinemas, e um dos espetáculos mais exibidos nos feriados de Páscoa em muitos cinemas do Brasil (em alguns lugares, ficou em cartaz por quase 10 anos)- e também era filme garantido de toda Sexta-Feira Santa nas antigas exibições pela Sessão da Tarde da televisão . No entanto, é justamente no televisor que o filme perde drasticamente impacto visual, pois a telinha deforma o Cinemascope, perdendo os enquadramentos originais. 

Richard Burton como o tribuno romano Marcellus Gallio.
O épico de cunho religioso e bíblico versa nos últimos anos do reinado de Tibério (Ernest Thesiger, 1879-1961), quando Roma era a "Senhora do Mundo". Marcellus Gallio (Richard Burton, 1925-1984) é um jovem tribuno do império que está sempre envolvido com jogos ou mulheres. Além disto, tem rixa pessoal com Calígula (Jay Robinson, 1930-2013), o herdeiro do trono. A situação complica-se quando Marcellus oferece, em um leilão de escravos, a absurda quantia de três mil moedas de ouro por Demétrius de Corinto (Victor Mature, 1913-1999), um grego outrora trazido para a capital como prisioneiro de guerra e que também era disputado por Calígula no leilão.

Victor Mature como o escravo Demétrius de Corinto.
Jay Robinson como o insano imperador Calígula
Ao se ver derrotado por Marcellus, Calígula encara isto como uma afronta pessoal e então manda o tribuno ir servir imediatamente em Jerusalém, na Palestina, considerado o pior lugar do mundo. Entretanto, devido a motivos políticos, depois de curto período na "Terra Santa", Marcellus é chamado de volta por Tibério. 

Richard Boone como Pôncio Pilatos
Mas, antes de partir para Roma, Marcellus recebe de Pôncio Pilatos (Richard Boone, 1917-1981), procurador romano em Jerusalém,  a missão de supervisionar a execução de uma sentença: a crucificação de Jesus Cristo. Finda a tarefa, ele e outros soldados disputam em um jogo de dados a posse pelo manto vermelho usado por Jesus. Marcellus vence a aposta, mas o manto fica com Demétrius, pois quando Gallio tenta usar o manto, algo o aflige de forma indescritível. O escravo grego, que já tinha se tornado um cristão, tira-lhe o manto, dizendo que jamais o serviria novamente, pois ele tinha crucificado seu mestre. Em seu retorno, o tribuno fala frases sem sentido, como se algo muito forte o atormentasse.

Jean Simmons como Diana, a amada de Marcellus.

Já em Capri, onde estava o imperador e Diana (Jean Simmons, 1929-2010), a amada de Marcellus, alguns membros da corte e o próprio Tibério, vendo que o tribuno portava-se de modo estranho, ouvem por horas o que aconteceu em Jerusalém. Tibério acha que o oficial pode ter perdido a razão, mas quando Gallio atribui que a aflição que sente só aconteceu após cobrir-se com o manto de Jesus, então o adivinho da côrte conclui que o manto estava enfeitiçado e precisa ser destruído. Isto parece lógico tanto para Tibério como para Marcellus, então o tribuno retorna à Palestina para destruir o manto e descobrir quem são os cristãos responsáveis por algum tipo de conspiração, mas esta viagem irá mudar profundamente sua vida.

Burton e Michael Rennie como São Pedro.
Pedro (Michael Rennie), o "Grande Pescador" e líder da Igreja, recebe Marcellus, ao lado de Justus (Dean Jagger)

Uma vez de volta a Palestina, em sua procura pelo manto, Marcellus vai à pequena vila de Caná, onde conhece Justus (Dean Jagger, 1903-1991) e Miriam (Betta St John, 1929-2023), dois exemplos de vida cristã.  Embora não acredite em algumas coisas que lhe falam, como a ressurreição de Cristo, o tribuno começa a ter dúvidas sobre suas crenças.  Justus lhe diz que conhece sua identidade e lhe informa que todos já o perdoaram, assim como Jesus o perdoou.  Logo depois, ao tentar convencer Marcellus do amor de Jesus pela humanidade, Miriam lhe diz que um dos seus discípulos, Simão Pedro (Michael Rennie, 1909-1971), conhecido como “O Grande Pescador”, acaba de chegar em companhia de seu companheiro grego, o próprio Demétrius.

Divulgação

Ao pedir o manto para ser queimado, Marcellus ouve de Demétrius que o problema dele não está no manto e sim em sua consciência, em seu coração, por ter crucificado o Messias.  Receoso, em princípio, mas encorajado por Demétrius, o tribuno termina abraçando o manto de Cristo e  livra-se de todas as suas angústias.

Diana e Marcellus
Em seguida, Marcellus é levado à presença de Pedro e termina convertendo-se ao cristianismo, passando a seguir o apóstolo.  Tempos de depois, Pedro e seus seguidores chegam à Roma e passam a viver nas catacumbas.  Com a morte de Tiberius, Caligula é o novo imperador e inicia uma perseguição implacável contra os cristãos.  Quando Demétrius é preso e torturado nos calabouços do palácio de Calígula, o tribuno decide libertá-lo, o que consegue com a ajuda de um grupo de homens.  Entretanto, durante a fuga, eles são perseguidos e, em benefício da liberdade do grupo, Marcellus atrai seus perseguidores, e se entrega. 

Demétrius (Victor Mature) se apossa do Manto Sagrado e se torna seu guardião...
...a ponto de quase sacrificar sua vida, mas é curado milagrosamente por Pedro (Michael Rennie).
Depois que Marcellus é capturado, Diana visita-o em sua cela e lhe implora para que renegue Jesus, a fim de salvar a si próprio, mas ele fala pra ela sobre o povo de Caná, que nunca renegou Jesus, apesar do perigo de ser seu seguidor.

Marcellus e Diana na côrte de Calígula (Jay Robinson).
Marcellus jura lealdade ao Império Romano, mas não abjuga Cristo
Marcellus é então levado a julgamento por traição, oportunidade em que confessa ser um cristão. Calígula ridiculariza as afirmações do tribuno de que o seu rei é o Rei do Céu, que acredita em amor, compaixão e caridade acima de tudo. Irritado por que Diana ainda prefere Marcellus a ele, Calígula faz com que a assembleia exija a morte do tribuno.

Marcellus e Diana levados para o pátio dos arqueiros, onde sofrerão 0 martírio (cena eliminada no filme).
Marcellus e Diana, a caminho da Eternidade.
Diana, movida pela crença apaixonada de Marcellus e repugnada pela tirania de Calígula, escolhe morrer com o homem que realmente ama.  O Manto Sagrado foi indicado para cinco categorias do prêmio Oscar em 1953, incluindo Melhor Filme e Melhor Ator para Richard Burton. Mas acabou conquistando o Oscar por Melhor Cenografia em cores, e ainda, um Oscar especial pela novidade técnica que viria revolucionar para sempre toda estética do cinema. 

LLOYD C. DOUGLAS, autor do romance que originou o filme
A fita, dirigida por Henry Koster (1905-1988), foi baseada em romance publicado em 1942 por Lloyd C. Douglas (1877-1951). No Brasil, o romance foi publicado com o título de O Manto de Cristo A trilha sonora foi encarregada pelo Mestre Alfred Newman (1901-1971), de A Canção de Bernadete. Os direitos do romance chegou a ser comprado pela RKO estúdio, que no início dos anos de 1950, vendeu para 20th Century Fox, como veículo para Tyrone Power que interpretaria Marcellus, mas ele recusou o papel.

Victor Mature e Mae Marsh.
O Filme foi um estrondoso sucesso e foi ocasião ímpar em toda História da Cinematografia, pois todas as salas de cinema tiveram que ser reformadas para recepcionar o lançamento deste êxito das telas.  A Fox, que detinha os direitos do livro de Douglas, não sabia o que fazer com as demais 200 páginas do romance, e aproveitando o embalo do sucesso de The Robe, o estúdio resolveu fazer uma sequência da obra, em 1954. 

DEMÉTRIUS 
O GLADIADOR

Victor Mature repete o papel de Demetrius em DEMÉTRIUS E OS GLADIADORES. Aqui com Ernest Borgnine.
Sob a direção de Delmer Daves (1904-1977) especialista em dramas e westerns (Galante e sanguinário), e repetindo Mature (Demétrius), Michael Rennie (São Pedro) e Jay Robinson (Calígula) nos seus respectivos papéis em O Manto Sagrado. Produzida por Frank Ross (1904-1990), que havia também produzido o filme anterior, realizou juntamente com o diretor Daves uma fita superior, porque substituiu a religiosidade melodramática de The Robe por exuberante ação física e estimulantes aspectos aventurescos (as sequencias de treinamento na arena e a luta de gladiadores no Coliseu são excelentes, com ótimos movimentos de câmera). 

Susan Hayward como Messalina. Na foto, com Mickey Simpson.
Michael Rennie volta a interpretar São Pedro em DEMETRIUS E OS GLADIADORES (1954).
Escrito por Philip Dunne (1908-1992) com base nos personagens de Lloyd C Douglas, o filme transcorre após a morte de Marcellus (Richard Burton) e Diana (Jean Simmons), ocorrida no desfecho de O Manto Sagrado. O cristão Demétrius, o guardião do manto de Cristo, é perseguido pelo imperador Calígula, sendo preso e feito gladiador na arena, comandada por Strabo (Ernest Borgnine, 1917-2012).

Demetrius perde a fé cristã e submete-se aos caprichos de Messalina.
Demetrius e sua amada Lucia (Debra Paget).
Quando sua amada Lucia (Debra Paget) entra em estado de choque ao risco de ser violentada por um dos gladiadores, Dardanius (Richard Egan, 1921-1987), Demétrius perde a fé e sucumbe aos encantos de Messalina (Susan Hayward, 1918-1975). Demétrius e os Gladiadores constitui um dos melhores espetáculos já realizado no cinema épico de aventuras. A trilha sonora é do renomado Franz Waxman (1906-1967), com base no repertório de Alfred Newman, o compositor original de The Robe.

O LANÇAMENTO DE “O MANTO SAGRADO” NO RIO DE JANEIRO

O MANTO SAGRADO foi lançado nos Estados Unidos em 24 de setembro de 1953, no Chinese Theatre, em Hollywood, inaugurando definitivamente o Cinemascope. Não demorou muito, a novidade chegou ao Brasil, repetindo o mesmo sucesso de Los Angeles. Não diferente também como ocorrido nas salas de cinema nos EUA, algumas salas aqui tiveram também que ser adaptadas para  a estreia de The Robe no Brasil, inclusive no Rio de Janeiro, a então Cidade Maravilhosa, que recebeu de braços abertos, tal como o Cristo Redentor, o monumento turístico da cidade, a sagrada fita estrelada por Richard Burton, Jean Simmons, Victor Mature, e Michael Rennie, nos idos tempos que o Rio ainda era a capital da República. 

O MANTO SAGRADO - OCASIÃO DE GALA TAMBÉM NO RIO DE JANEIRO, CONFORME ANÚNCIO  NOS JORNAIS DA ÉPOCA DE SEU LANÇAMENTO, NAS SALAS CARIOCAS.

Divulgação pelos jornais do Rio de Janeiro, em 1954.
O CINE-PALÁCIO no Centro do Rio de janeiro, teve suas instalações alteradas para a estreia, e finalmente, a 15 de abril de 1954, estreou O MANTO SAGRADO nas salas de projeção da cidade.
FICHA 
TÉCNICA
O MANTO SAGRADO
(The Robe)

País – Estados Unidos 

Ano – 1953

Gênero – Épico/Religioso 

Direção – Henry Koster

Produção – Frank Ross, para a 20th Century Fox 

Roteiro – Phillip Dunne e Gina Kaus (adaptação), com base no livro de Lloyd C. Douglas. 

Música – Alfred Newman 

Fotografia – Leon Shamroy, em Cores

Metragem – 135 minutos


elenco

RICHARD BURTON – Tribuno Marcellus Galio 

JEAN SIMMONS – Diana 

VICTOR MATURE – Demetrius de Corinto, o escravo 

MICHAEL RENNIE – São Pedro, o “Grande Pescador” 

JAY ROBINSON – Calígula 

TORIN THATCHER – Senador Galio 

DEAN JAGGER – Justus 

RICHARD BOONE – Pôncio Pilatos. 

BETTA St. JOHN – Miriam 

JEFF MORROW – Paullus, o centurião 

ERNEST THESIGER – Imperador Tibério 

DAWN ADDAMS – Junia 

LEON ASKIN – Abidou 

MICHAEL ANSARA – Judas Iscariotes 

FRANK DeCOVA – Escravo 

JOHN DOUCETTE – Soldado da esquadra 

SAM GILMAN – Capitão da esquadra 

MAE MARSH – Mulher idosa de Jerusalém que ajuda Demetrius

JAY NOVELLO – Tiro 

HAYDEN RORKE – Callus, licitante do leilão de escravos. 

HARRY SHEARER – o pequeno Davi 

PERCY HELTON – Caleb, o mercador de vinhos. 

DONALD  C. KLUTE – Jesus Cristo

SALLY CORNER – Cornelia, mãe de Marcellus

PAMELA ROBINSON – Irmã de Marcellus

ROSALIND IVAN – Julia, esposa de Tibério 

E

CAMERON MITCHELL – A Voz de Jesus no Calvário.




Nenhum comentário:

Postar um comentário

Um Convidado Bem Trapalhão (1968): Blake Edwards faz Peter Sellers promover uma festa de arromba!

UM CONVIDADO BEM TRAPALHÃO ( The Party ) , produzido em 1968, é considerada a comédia mais hilariante do eterno Peter Sellers (1925-19...