domingo, 11 de junho de 2023

Conspiração do Silêncio (1955): Thriller de Suspense Detetivêsco. Último Filme de Spencer Tracy para MGM

Divulgação

Ao receber o primeiro roteiro de CONSPIRAÇÃO DO SILÊNCIO (Bad day at Black Rock), Spencer Tracy (1900-1967) recusou-se a fazer o filme. Revisto e modificado, o ator aquiesceu e disse: “vamos em frente!”. De acordo com a biografia do ator, a versão original do roteiro não dizia que o personagem John J. MacReedy tinha apenas um braço. Os produtores queriam que Tracy o interpretasse, e para convencê-lo atuar, incluíram esta característica no personagem principal. Os produtores acreditavam que nenhum ator resistiria à tentação de interpretar um herói deficiente físico. O roteiro original previa que John J. MacReedy conseguia acender fósforos com apenas um braço. Spencer Tracy estava com dificuldades em realizar esta cena e sugeriu ao diretor John Sturges (1910-1992) que seu personagem usasse um isqueiro Zippo, alegando que todo veterano de guerra conhecia e possuía um. A sequência de abertura com o trem foi incluída após várias exibições-teste, nas quais o público reagiu mal à abertura original.

O Produtor e futuro chefe da MGM, Dore Schary

Para fechar o negócio, um executivo da MGM entrou em contato com Spencer Tracy pouco antes das filmagens, e disse: "Não se preocupe, Sr. Tracy, uma cópia do roteiro foi enviada para Alan Ladd e ele concordou em fazer o papel". No entanto, numa sexta feira, três dias antes de iniciar as filmagens, em Lone Pine, no deserto de Mojave, EUA, Tracy entrou no escritório de Dore Schary (1905-1980), então chefe dos estúdios da empresa e produtor do filme, e disse: “Dore, tenho más notícias. Melhor arranjar outro para o  papel. Não queria mesmo fazer este filme”. Vale lembrar que, nesta época, Tracy tinha 54 para 55 anos de idade, e vinha atravessando um processo de alcoolismo crônico.

Spencer Tracy e o produtor Dore Schary

Os dois eram amigos de longa data, e Schary considerou: “Spence, talvez tenha que ser duro com você, cara. E veja bem: Já dispendemos cerca de 300 mil dólares com o filme. E se você se recusar a fazê-lo serei obrigado a mover um processo contra você”. 

Tracy olhou-o fixamente e perguntou:

-Vc esta brincando?
-Não, não estou – respondeu Schary com veemência.
Tracy voltou a fita-lo longamente e mandou brasa:
-Você fica neste escritório com ar refrigerado no maior bem-bom, enquanto estou me matando de suor naquele inferno que é Lone Pine.
-Mas eu vou suar com você! -replicou Schary
-Okay! Verei você então em Black Rock na segunda feira.

Dore Schary orientando os astros principais do filme, os talentosos Spencer Tracy e Robert Ryan. 

O astro e o produtor se encontraram no calorento deserto de Lone Pine, dando início então aquele que seria um dos melhores filmes da safra de 1955, e o último de Spencer Tracy para a Metro-Goldwyn-Mayer após duas décadas de contrato com o estúdio, e no qual teve a oportunidade de nos brindar com um de seus mais vibrantes e notáveis desempenhos, e que valeu-lhe sua 5ª indicação para as premiações da Academia. Foi também o último filme que fez sob a orientação direta de Dore Schary. Este havia substituído Louis B. Mayer na chefia da Metro, cujo os estúdios localizavam-se em Culver City. Em 1953, contudo intrigas de gabinete começaram a minar as bases do executivo, e em novembro de 1956, Schary foi derrubado do comando.

Poster alemão 

CONSPIRAÇÃO DO SILÊNCIO foi o primeiro filme do estúdio MGM a ser lançado em Cinemascope (usado amplanente em todos os espaços, copiando a árida passagem do deserto onde cobre toda ação). A trama direciona-se dois meses após o término da II Guerra Mundial. No vilarejo de Black Rock chega um veterano de guerra, John MacReedy (Spencer Tracy), que tem só um braço. Apesar da sua aparência calma e eremita, e também por sua deficiência física, sua presença incomoda cada vez mais os moradores do local, em parte por ser o primeiro visitante em 4 anos (literalmente o trem nunca parava nesta estação) e por ficar cada vez mais evidente que todos estão escondendo alguma coisa. Quando ele diz que está procurando Komoko, um japonês, a tensão aumenta entre os pequenos habitantes de Black Rock.  que parecem somente obedecer a Reno Smith (Robert Ryan, 1909-1973), um latifundiário manipulador e cínico que controla toda a pequena cidade. 

Spencer Tracy é John MacReedy, um misterioso homem que busca informações sobre um amigo japonês que o salvou durante a II Guerra, em uma cidade do interior dos EUA.
Robert Ryan é Reno Smith, latifundiário "dono" de Black Rock que se preocupa com a visita do estranho forasteiro à Black Rock.

Mais tarde, MacReedy descobre que Komoko foi morto por Reno, que era avesso aos japoneses. Alvo de hostilidades, ameaças e até de uma trama de assassinato, o forasteiro se dá conta de que Black Rock esconde um grande segredo que vem sendo guardado há muito tempo.

John Ericson é Peter Wirth, empregado do hotel de Black Rock e borra-botas de Reno.

Anne Francis é Liz Wirth, irmã de Peter e cúmplice dos desmandos em Black Rock.

Reno Smith não esta só e tem seus parceiros de vilania, como o estúpido e truculento Coley Trimble (Ernest Borgnine, 1917-2012), e Hector David (Lee Marvin, 1924-1987), além do borra botas Pete Wirth (John Ericson, 1926-2020), empregado do único hotel do vilarejo, e sua irmã Liz Wirth (Anne Francis, 1930-2011), apaixonada por Reno, que não dá a mínima para ela.

Reno tenta persuadir MacReedy a deixar a pequena cidade, que se recusa. Por isso, Reno manda seu "leão de Chácara"...

... o brutamontes Coley Trimble (Ernest Borgnine), a dar uns sustos em MacReedy.
Reno finge cortesia para com o recém-chegado, mas MacReedy não é nenhum bobo. A investida mais direta contra MacReedy parte por Coley, um brutamontes que tenta de tudo para assustar MacReedy, para que ele desista de procurar seu amigo japonês, fazendo de tudo para persuadi-lo. Até que chega o momento que, numa lanchonete de Black Rock, quando o veterano de guerra estava almoçando, Coley mais uma vez provoca-o, como se já não bastasse antes tentar pô-lo para fora da estrada enquanto dirigia.

Coley provoca McCready...

...que reage!

Coley não é páreo para o aparentemente frágil MacReedy, que não abre mão de seus conhecimentos em artes marciais aprendidas com o próprio Kamoko. 

O até então paciente MacReedy engolira todos os insultos, e em uma das cenas mais marcantes da película, o veterano sem um braço, em sua defesa pessoal, usa de alguns golpes de artes marciais (aprendidas com Kamoko durante a Guerra) sobre o brutamontes, que achava que poderia liquidar o aparentemente indefeso forasteiro. O ridículo Coley é levado ao chão, ferido, e enviado sob os cuidados de Doc Velie (Walter Brennan, 1894-1974), único médico de Black Rock que não compactua com os desmandos de Reno e seus comparsas.

O notável Walter Brennan é o Dr.  Doc Velie, único médico da pequena cidade que não pactua com os crimes de Reno Smith. 

Reno manda até no xerife da cidade, o fraco Tim Horn (Dean Jagger)

Falando em Doc, também tem na cidade um xerife sem pulso de ferro, Tim Horn (Dean Jagger, 1903-1991), cujo posto é apenas um conveniente para que o pequeno vilarejo afirme a presença de um representante da lei, mas na realidade, Tim, um alcóolatra, é tão manipulado por Reno como todo o resto da pequena cidade.

A atuação vilanêsca de Robert Ryan fez valer o preço do ingresso nas salas de cinema.

Walter Brennan, Spencer Tracy e John Ericson
Após a surra que Coley levou do velho MacReedy, este tenta de todas as maneiras acionar as forças policiais, mas é impedido pela ditadura de Reno, que intercepta qualquer meio de comunicação que o veterano de guerra faça, desde os telégrafos, telefonemas e até o uso de carros. A muito custo, a verdade vem a tona, graças a persuasão de MacReedy e de Doc sobre o jovem e inseguro Pete, que revela que Komoko foi realmente morto por Reno, por este não conseguir se alistar para lutar contra os japoneses.

Lee Marvin e Robert Ryan

Um jovem Lee Marvin vive Hector, um dos capangas de Reno Smith.

Hector, que assumira o posto de xerife no lugar do fraco Tim por escalação de Reno, é dominado e posto a nocaute por Doc e MacReedy, e este vai atrás de Reno, um sujeito sem o menor caráter e escrúpulos, a ponto de assassinar uma de suas aliadas, a não menos bandida Liz, irmã de Pete, que denuncia a presença de MacReedy em seu encalço.

Anne Francis como Liz, aliada de Reno.

Reno tenta matar em MacReedy...

... mas o veterano de guerra coloca Smith em seu devido lugar. 

Mesmo sem um braço, o veterano de guerra, sob a mira do rifle de Reno, consegue pegar uma garrafa vazia e enche-la com uma pequena poção de gasolina que ele consegue esvaziar do carro, fazendo assim um coquetel molotov contra o inimigo. É noite, e Reno atira em direção de MacReedy, que joga o recipiente sobre o vilão, que começa a incendiar-se e  pedir socorro.

Spencer Tracy em seu último filme para a MGM

Com a missão cumprida, MacReedy volta para casa.

Por fim, a quadrilha toda é dominada e entregue a Tim, encarregado de entregar Reno e os demais (Coley, Hector e Pete) as autoridades. MacReedy não viera apenas para encontrar o amigo japonês, mas também entregar a ele uma medalha que o filho dele, morto em combate, havia ganhado do governo dos Estados Unidos. Com Komoko morto, para quem entregaria esta honra? Resolveu entregar para Doc e a comunidade, como uma maneira de representar a paz estabelecida em Black Rock, após 24 horas de um péssimo dia, como diz literalmente o título original deste clássico.

Lee Marvin e Spencer Tracy

Tracy e Annie Francis.

A fita tem ingredientes interessantes, com mistura de história policial, detetivesca e com  suspense noir, com alguns elementos do western, muito embora não seja do gênero (há quem defina!),  mas sobretudo um thriller  com ambiente (de fundo social) tendo como cenário o Oeste do Século XX.  A visão de uma América de consciências mortas, quando os Estados Unidos ainda sofria os efeitos do Macarthismo , foi uma das primeiras utilizações criativas do então novo formato de tela Cinemascope.

Conspiração do Silêncio

Ernest Borgnine e Lee Marvin estão impecáveis em seus papéis de vilões, assim como o brilhante Robert Ryan como o mais famigerado deles. Spencer Tracy recebeu mais uma indicação ao Oscar (sua quinta) e o filme também foi indicado ao prêmio na categoria de melhor roteiro. Cinco dos membros do elenco tiveram um total de oito Oscars: Spencer Tracy tinha dois, e Walter Brennan teve três como coadjuvante. Lee Marvin, Dean Jagger e Ernest Borgnine tiveram uma estatueta cada.

Tracy e Ryan se enfrenatando sob os olhares do diretor Sturges e toda equipe. 
A Excelente direção de John Sturges ajudou a garantir a popularidade desta película, que lhe deu uma indicação ao Oscar de melhor direção por este suspense apreensivo que também aborda o preconceito racial. CONSPIRAÇÃO DO SILÊNCIO foi baseado em história de Howard Breslin (1912-1964) e veio na esteira de outro grande clássico, Matar ou Morrer (1952) de Fred Zinnemann, realizado três anos antes, ao analisar a atmosfera do medo coletivo que se apossa em uma comunidade rural.  Um suspense efetivo e de impacto crescente, capaz ainda de prender a atenção no espectador de hoje (a temática racista e xenofóbica merece análise acurada), passados quase 70 anos de sua realização. A fotografia é de William C. Mellor (1903-1963) e a música de Andre Previn (1929-2019). 


John Sturges dirigiu CONSPIRAÇÃO DO SILÊNCIO (1955)

Em cartaz nas grandes salas do Cine Metro no Rio de Janeiro

CONSPIRAÇÃO DO SILÊNCIO (1955) foi estrondoso sucesso de crítica e público pelas salas de exibição no Rio de Janeiro em 1955 (e como filme da MGM, exibido nos três cinemas Metros então existentes na cidade). 

                                

FICHA 

TÉCNICA

Divulgação

    CONSPIRAÇÃO DO SILÊNCIO

(Bad Day At Black Rock)    

Ano de Produção: 1955

Gênero: Criminal – Suspense – Drama

Direção: John Sturges

Produção: Dore Schary, em produção e distribuição da Metro Goldwyn Mayer.

Roteiro: William Kauffman e Don McGuire, com base em romance de William Breslin

Fotografia: William C. Mellor (Em Cores)

Montagem: Newell P. Kimlay

Trilha Sonora:  Andre Previn

Metragem: 81 minutos

ELENCO

Spencer Tracy – John J. MacReedy

Robert Ryan – Reno Smith

Anne Francis – Liz Wirth

Dean Jagger – Tim Horn

Walter Brennan – Doc Velie

John Ericson – Pete Wirth

Ernest Borgnine – Coley Trimble

Lee Marvin – Hector David

Russel Collins – Mr. Hastings

Walter Sand – Sam

Harry Harvey - Condutor do trem.




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