FARRAPO HUMANO (The Lost Weekend), produzido em 1945 e
dirigido por Billy Wilder (1906-2002) tinha tudo para fracassar na época de sua
realização por conta de um tema polêmico, o alcoolismo. Não era uma
temática que o público de outrora tinha interesse ou, pelo menos, quisesse evitar maiores escândalos. Entretanto, o cineasta Wilder, um gênio bem à frente de seu
tempo, ousou assim mesmo levar as telas o deprimente romance de Charles Jackson
(1903-1968), sobre um escritor alcoólatra em processo de autodestruição. Entretanto, não foi fácil o diretor levar a
cabo uma de suas grandes realizações.
O Cineasta Billy Wilder |
O Roteirista Charles Brackett, colaborador de Billy Wilder. |
O Romance de Charles Jackson no qual baseou o filme.
Viajando
para Nova York onde comprou os direitos do livro de Jackson, Wilder se deparou
de frente com Y.Frank Freeman (1890-1969), que era chefe de produção da Paramount, estúdio
que produziria e faria sua distribuição. Freeman não concordou em nenhum
momento em levar o romance para o cinema, mas graças a Barney Balaban que era
presidente da companhia em Nova York, este aprovou o projeto e Wilder pôde
levar adiante as filmagens daquele que seria uma de suas gloriosas obras primas
de sucesso.
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Billy Wilder dirigindo Ray Milland e Doris Dowling |
Ray Milland em sua atuação mais marcante: FARRAPO HUMANO (1945) |
Não fazia muito tempo, Wilder havia testemunhado, sentido e
sobrevivido ao alcoolismo de Raymond Chandler, com quem trabalhou no roteiro de
Pacto de Sangue (Double Indemnity, 1944). Charles Brackett (1892-1969), parceiro
fixo do cineasta e que faria o script para Farrapo
Humano, teve uma experiência ainda mais dolorosa: sua esposa e filha eram
alcóolatras. A filha morreu ao cair de uma escada, embriagada. Em realidade, o
sério e centrado Brackett parecia atrair os literatos alcóolatras de Hollywood.
Tinha cuidado de Scott Fitzgerald em muitas de suas várias bebedeiras, e ainda
cuidou de Bob Benchley, Dorothy Parker, e Dashiell Hammett.
Ray Milland como Don Birman, escritor arruinado que se submete ao vício do álcool... |
...que tem o apoio do irmão Wick (Phillip Terry) e da namorada Helen (Jane Wyman) para ser livrar da dipsomania. |
O
assunto era descaradamente cruel e não havia modo de trata-lo de forma
sutil. Wilder se consagrou ao realizar uma obra em estilo cruel e cínico,
opressiva e exasperante, ao retratar a decadência de um escritor falido, Don
Birman (Ray Milland, 1905-1986), que caminha nas ruas de uma Nova York deserta
aos finais de semana, sem rumo e sem trégua, trajeto que o leva dos bares para
os hospitais, e daí a um possível suicídio. Longe por algumas horas da
vigilância do irmão Wick (Phillip Terry, 1909-1993), e da namorada Helen St. James
(Jane Wyman, 1917-2007), mas também sem dinheiro para comprar bebida, Birman
entrega-se a uma busca mais desesperada que acaba por envolver o próprio
espectador numa atmosfera de crescente e insuportável dramaticidade.
Como meio de obter bebida, Birman chega ao cúmulo de penhorar sua ferramenta de trabalho... |
... e sair em busca de alguma loja de penhores. |
Milland durante as filmagens em plena Terceira Avenida, em Nova York, em um dia de domingo.
Rodado
em locações de Nova York, FARRAPO HUMANO é uma obra noir sem contextos
criminais. A atmosfera muitas vezes sinistra da ambientação ao qual o
personagem central muitas vezes frequenta realça o clima de decadência a que é
submetida. O bar de Nat (Howard da Silva, 1909-1986), que em alguns momentos
procura ser paternal com Birman, é frequentado por vários tipos, desde os mais
“sociais” até escórias. O elevado da Terceira Avenida, pavor e pesadelo dos
doentes da ala psiquiátrica do Hospital
Belleuve, não foi ignorado na trama.
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O Barman Nat (Howard Da Silva), que entende o problema de Birman e as vezes o aconselha a largar o vício. |
Doris Dowling é Glória, frequentadora do bar de Nat e de queda por Birman. |
Uma cena marcante tem Ray Milland, com barba por fazer,
caminhando pela Terceira Avenida tentando penhorar sua máquina de escrever, sem
notar que todas as lojas de penhor estão fechadas devido a um feriado (e com
Milland realmente arrastando-se da famosa Rua 55 até a 110, enquanto a câmera
de Wilder o segue, escondida dentro de um caminhão de padaria. A cena foi
filmada em um domingo). Mas é a sequencia
de Birman gritando no terror de um delirium
tremens, enquanto que um morcego imaginário perseguia uma mosca imaginária
na escuridão do apartamento que recebeu maior impacto em FARRAPO HUMANO.
O Deliriun Tremens de Birman |
Helen tenta ajudar o namorado Birman... |
... que não consegue largar o vício. |
A
estreia de FARRAPO HUMANO em Santa Bárbara, Califórnia, foi recebida com
risinhos, gargalhadas, e cartões dizendo que o filme era repugnante. O
pessimista Y. Frank Freeman, que desde o início não aprovou de levar o livro de
Charles Jackson às telas, parecia triunfante e chegou a declarar que deveriam
arquivar, abandonar, e “matar” o filme de Wilder. Houve até um boato de que o
gangster Frank Costello (1891-1973), representando a indústria de bebidas, pagaria a
Paramount a soma de 3 milhões de dólares para destruir o negativo. Mas nenhum
apelo contra a obra de Billy Wilder fez efeito, ao contrário. Seis meses
depois, Barney Balaban, ardoroso defensor do cineasta, chegou à conclusão de
que fazer filmes para depois arquiva-los seria um desperdício, então ordenou a
distribuição de FARRAPO HUMANO no outono de 1945, obtendo imediatamente
críticas positivas e uma surpreendente acolhida do público.
Divulgação |
Mesmo internado em um hospício, Birman não consegue ter paz com Nolan (Frank Finlay), um enfermeiro que mais o prejudica do que ajuda. |
A devotada Helen St. James (Jane Wyman) não desiste de Birman e ainda tem esperanças de reabilitar o namorado. |
FARRAPO HUMANO conquistou quatro Oscars: Melhor filme de
1945, Melhor Diretor (Billy Wilder), Melhor Roteiro (Charles Brackett), e
Melhor Ator (Ray Milland). Milland recebeu merecidamente o prêmio, sua
interpretação sustentou todo o filme. O primeiro convidado para fazer o papel
foi Jose Ferrer, que não pôde aceitar a parte de Don Birman devido a um
contrato com a Broadway. A escolha de Ray Milland para o papel foi considerada
ousada, pois o público estava acostumado em vê-lo como galã em comédias leves.
Mas Wilder e Brackett já vinham trabalhando com ele, e sabiam de suas grandes
possibilidades. Durante algum tempo, o ator estudou o comportamento de bêbados
em bares e nas ruas. Entretanto, ganhar a estatueta de Melhor Ator rendeu-lhe,
durante muitos anos, ser vítima de piadas e brincadeiras sobre alcoólatras.
Ray Milland e seu Oscar de Melhor Ator de 1945 por FARRAPO HUMANO. |
O filme de Wilder, em grande cartaz nos Estados Unidos. |
Certamente,
FARRAPO HUMANO é o maior impacto que o cinema teve na abordagem na dipsomania,
ou da degradação humana que o diretor Billy Wilder voltaria a tratar em Crepúsculo dos Deuses (1950) e A Montanha dos Sete Abutres (1951). O
Score musical é do húngaro Miklos Rozsa (1907-1995). FARRAPO HUMANO chegou às
salas de cinema do Rio de Janeiro em agosto de 1946.
Divulgação Nacional em 1946 |
Miklos Rozsa compôs a trilha sonora para FARRAPO HUMANO (1945) |
A Obra de Billy Wilder chegou as nossas salas cariocas em agosto de 1946. |
FARRAPO HUMANO
(THE LOST WEEKEND)
País-
Estados Unidos
Ano de
Produção – 1945
Gênero –
Drama
Direção – Billy Wilder
Produção
– Charles Brackett, em produção e distribuição da Paramount Pictures.
Roteiro – Charles Brackett e Billy Wilder, baseado no
romance de Charles Jackson
Fotografia
- John F. Seitz, em Preto & Branco
Música –
Miklos Rozsa
Metragem
– 101 minutos
Elenco principal
Ray Milland – Don Birman
Jane Wyman – Helen St. James
Phillip Terry – Wick Birman
Howard
Da Silva – Nat, o Barman
Doris Dowlling – Gloria
Frank Faylen – Bim Nolan
Mary
Young – Senhora Deveridge
Anita
Sharp-Bolster – Senhora Foley
Lilian Fontaine – Senhora St. James
Frank
Orth – Atendente do teatro de ópera
Lewis
Russell – Senhor St. James
Matéria Publicada originalmente pelo redator no
extinto "Filmes Antigos Club" em 2017.
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