segunda-feira, 27 de março de 2023

O Último Hurrah (1958): de John Ford, Os Bastidores da Política Contada de Forma Lírica e Intimista

Tudo já foi dito sobre John Ford (1895-1973), um dos diretores mais versáteis da história da Sétima Arte. Um cineasta legítimo que colecionou grande admiração do público e influenciou outros diretores. Suas realizações apresentaram extraordinária dinâmica cinematográfica, possuindo sensibilidade contagiante e comovedora autenticidade humana. Ford conseguiu unir “gregos e troianos”, isto é, conseguiu atrair públicos diversificados, pois vários personagens de suas obras não devem ser entendidos a luz de inteligência ou razão, mas simplesmente entendidos através do coração. E é sobre um de seus grandes trabalhos que vem a direcionar para a emoção que reproduz de maneira intimista os bastidores da política (e hoje, diga-se de passagem, uma das obras poucas citadas de Ford): O ÚLTIMO HURRAH (The Last Hurrah), filme realizado em 1958.

O Cineasta John Ford
John Ford produz e dirige O ÚLTIMO HURRAH (1958)

O Último Hurrah pertence a categoria de realizações mais afeiçoadas e pessoais do diretor Ford e com os quais o cineasta presta homenagem a pessoas ou grupos humanos que consegue algum tipo de destaque. Estas obras são ditadas pelo coração, por isso mesmo possuindo deficiências comuns nas obras mais puras do cineasta (O Sol Brilha Na Imensidade, O Delator, Depois do Vendaval, entre diversas), talvez por culpa de uma dose maior de sentimentalismo. Em O Último Hurrah ele homenageia seus patrícios irlandeses que conseguiram subir do nada até influir e comandar a vida pública da Nova Inglaterra, onde passa-se toda narrativa. 

O jornalista e escritor Edwin O' Connor, que escreveu o romance O ÚLTIMO HURRAH, publicado em 1956.
O astro Spencer Tracy e o diretor John Ford

Não obstante a intolerância dos descendestes diretos dos primeiros colonizadores, Ford faz um alerta ao preconceito e a hipocrisia dos poderosos que usurpam esperanças e progresso dos menos afortunados. Para a realização do filme, o diretor leu o romance original (publicado em 1956) do jornalista Edwin O'Connor (1918-1968) e se entusiasmou com o livro, chegando a propor para a Columbia Pictures produzir e dirigir mesmo sem receber salário. Ford se identificou logo de cara com a figura do político democrata Frank Skeffington (que O’Connor se inspirou num político real, James Michael Curley, que foi prefeito de Boston, EUA, conhecido tanto por suas benfeitorias quanto pelo modo implacável de lidar com adversários políticos).  Diferentemente do livro, Ford utilizou Frank Skeffington de modo mais sentimental, sugerindo que ele, mesmo com sua benevolência e humanidade para com as minorias, era capaz de praticar métodos menos recomendáveis para atingir seus objetivos, traçado por um roteiro magnífico de Frank S. Nugent (1908–1965), colaborador de Ford em Depois do Vendaval e Rastros de Ódio.

Spencer Tracy é Frank Skeffington, prefeito de um território da Nova Inglaterra que tenta mais uma reeleição...

... acompanhado por velhos amigos e fiéis partidários.

Frank Skeffington é interpretado de maneira soberana por Spencer Tracy (1900-1967), em atuação segura e eficiente. Sendo protagonista de astuciosa e refinada crônica nos bastidores eleitorais de um vilarejo da Nova Inglaterra. Skeffington, de truculento sangue irlandês e há doze anos no cargo de prefeito, controla a máquina eleitoral através de suborno e “caridade”. Durante sua quarta e última campanha eleitoral para prefeito, representantes dos meios financeiros, da Igreja Católica e da Imprensa, aliam forças para enfrentar seus métodos que já renderam-lhe várias reeleições. 

DIVULGAÇÃO

Os fiéis partidários de Skeffington: John Gorman (Pat O' Brien), Sam Weinberg (Ricardo Cortez), "Ditto" Boland (Edward Brophy) e "Cuke" Gillen (James Gleason)

Cercado por fiéis partidários que estão com ele por mais de 30 anos, Skeffington tenta se reeleger em um mundo que anda em transições. Contudo, ele tem um dom surpreendente. O único político que é verdadeiramente capaz de manipular os poderosos para defender os oprimidos. Ele é o líder indiscutível da cidade, controlando a cidade com punho de ferro, mas ele sabe que seu show está beirando ao fim. O dia de compromissos com almoços e comícios políticos está dando lugar à televisão, a mais nova tecnologia na área das comunicações, fazendo a máquina política de Frank parecer obsoleta e ultrapassada.
 

Mesmo com todo apoio de partidários, Skeffington conta com ajuda de Adam Caulfied (Jeffrey Hunter), jornalista que trabalha para o jornal de...

...Amos Force (John Carradine), inimigo declarado de Skeffington, que apoia o candidato republicano Kevin McClurskey (Charles B. Fitzsimons)

A televisão, sendo um veículo de comunicação emergente, começa desempenhar um papel fundamental na política. Para assessorá-lo nessa transição, surge Adam Caulfield (Jeffrey Hunter, 1926-1969), seu sobrinho e jornalista esportivo de um grande tabloide comandado por Amos Force (John Carradine, 1906-1988), inimigo figadal de Skeffington e republicano fanático.  Ao visitar o tio, Adam fica sabendo dos sérios motivos que levam Amos a odiar Skeffignton, quando o pai do dono do jornal, um burguês autoritário, humilhou publicamente a mãe de Frank (que era sua empregada doméstica) pelo fato dela pegar sobras de comida, acusando-a de ladra. Caulfield abandona o jornal de Amos e resolve ajudar o tio em sua campanha. 

Adam é casado com Maeve (Dianne Foster), também apoiadora de Skeffington.


Skeffington enfrentando seus opositores.

Os inimigos políticos de Frank Skeffington não param por ai. Seu sobrinho Adam é casado com Maeve (Dianne Foster, 1928-2019), filha de Roger Sugrue (Willis Bouchey, 1907-1977) que também detesta Skeffignton e começa a ter diversos atritos com o genro, contudo sem abalar a relação de seu casamento, já que Mave também simpatiza com os ideais de Frank. Entretanto, Skeffington é o tipo de político que realmente preocupa-se com seus eleitores, mesmo que seus métodos sejam um tanto ilícitos. Muitas vezes ajuda-os pessoalmente (como na cena de um enterro, em que uma de suas eleitoras não tinha dinheiro para enterrar seu marido, e Frank pressiona o dono da funerária, ligado ao Partido Republicano, a fazer o enterro de graça). Mas há alguns problemas com a regra de Skeffington. Primeiro de tudo, ele muitas vezes muda vários negócios, obrigando mesmo aqueles que trabalham para ele a ter salários reduzidos para ajudar os eleitores. Skeffington e seus aliados, muitas vezes, transformam os funerais em reuniões políticas. Skeffington não é nenhum santo, mas em nome de seus ideais vale quase tudo, até mesmo mexer com os alicerces da Igreja Católica. Mesmo sendo um católico devotado, entra em atrito com a ideologia da Igreja, muito embora o Arcebispo da cidade, Cardeal Burke Martin (Donald Crisp, 1882-1974) simpatize com Frank. Na vida familiar, Skeffignton tem problemas de relacionamento com o filho único, Júnior (Arthur Walsh, 1923-1995), um jovem imaturo e irresponsável que só pensa em mulheres e badalações, ignorando por completo as idealizações do pai.

Para angariar simpatias e votos, Skeffignton apela para atos de "caridade", como ao ajudar uma viúva (Anna Lee) que não tem dinheiro para enterrar seu marido...

... mas Frank apela para a "boa vontade cristã" do agente funerário para que faça o enterro de graça. 


Frank Skeffignton candidato para mais uma reeleição na prefeitura da Nova Inglaterra, em um de seus comícios. 

Frank surpreende a todos ao anunciar que pretende concorrer para outro mandato para prefeito. O corpo principal do filme dá uma visão detalhada e criteriosa da política urbana, e o controle de Skeffington e de seu sobrinho Adam através de rodadas de aparições nas campanhas e eventos. Kevin McCluskey (Charles B. Fitzsimons, 1924-2001), um jovem candidato com um rosto bonito e os “bons costumes norte-americanos”, com excelente ficha e registro da II Guerra Mundial, mas sem experiência política e nenhuma habilidade real para governo, acaba derrotando Skeffington nas eleições. Um dos amigos de Adam, John Gorman (Pat O’ Brien, 1899-1983) explica que a eleição foi "um último hurrah" para a ultrapassada máquina política de Frank Skeffington. As mudanças na face da política norte-americana foram tão exorbitantes que Skeffington já não pode sobreviver. Imediatamente após sua derrota, Skeffington sofre um ataque cardíaco. Quando morre, deixa para trás uma cidade de luto por uma figura crucial na sua história, mas uma cidade que não tem mais espaço para ele ou o seu tipo.

OS VETERANOS Spencer Tracy e Pat O' Brien, amigos também na vida real.


Adam (Jeffrey Hunter) e Sam Weinberg (Ricardo Cortez) acompanham a apuração da eleição...

...culminando com a derrota de Skeffingnton, que não perde o bom humor e anuncia sua próxima candidatura.

O ÚLTIMO HURRAH está cheio de grandes momentos cinematográficos e de esplendidos tipos fordianos. A sequência do magnifico funeral do marido da eleitora; o passeio do candidato derrotado pelo parque deserto enquanto a passeata do candidato vitorioso serve como pano de fundo; e o gesto silente com que Skeffington se dirige a fotografia da finada esposa da sua incompreensão diante dos acontecimentos. Entre os tipos humanos apresentados por Ford, vale destacar a velha tagarela presente no funeral (Jane Darwell, 1879-1967); O auxiliar ingênuo Ditto (Edward Brophy, 1895-1960), e Hannessey (Wallace Ford, 1898-1966), o eterno candidato. 

O passeio solitário de Skeffington após a derrota, tendo como fundo a passeata do candidato vitorioso, e...

...o gesto silente de Skeffington ao se dirigir ao retrato da esposa falecida - dois grandes momentos cinematográficos e esplendidos no verdadeiro estilo fordiano.

O ÚLTIMO HURRAH é narrado por John Ford de forma lírica, intimista, bem humorada, sentimental e generosa, apresentando Spencer Tracy em uma de suas mais memoráveis performances do cinema, onde todos destacam-se com suas participações, desde  Jeffrey Hunter (em bom desempenho!), aos veteranos Basil Rathbone (1892-1967), Donald Crisp, Edward BrophyPat O'Brien, Willis Bouchey e Wallace Ford, irmão do cineasta.

Divulgação do filme pelos jornais do Rio de Janeiro, em 1959 ou 60.

FICHA 

TÉCNICA



O ÚLTIMO 
HURRAH

(The Last Hurrah)

Nacionalidade – Estados Unidos

Ano de Produção – 1958

Gênero - Drama

Direção – John Ford

Produção – John Ford para Columbia Pictures (e distribuição)

Roteiro - Frank S. Nugent, baseado no livro de Edwin O' Connor.

Fotografia - Charles Lawton Jr. – em Preto & Branco

Música – George Dunning, Paul Sawtell e Cyril J. Mockridge (não creditados)

Metragem – 122 minutos

DIVULGAÇÃO
ELENCO

Spencer Tracy – Frank Skeffington

Jeffrey Hunter – Adam Caulfield

Dianne Foster – Maeve Caulfield

Pat O’ Brien – John Gorman

Donald Crisp – Cardeal Martin Burke

James Gleason – “Cuke” Gilles

Edward Brophy – “Ditto” Boland

John Carradine – Amos Force

Willis Bouchey -  Roger Sugrue

Basil Ruysdael – Bispo Gardner

Ricardo Cortez - Sam Weinberg

Wallace Ford - Charles J. Hennesse

Frank McHugh – Festus Garvey

Carleton Young – Winslow

Anna Lee - Gert Minihan

Ken Curtis – Monsenhor Killan

Jane Darwell - Delia Boylan, a velha do funeral

O.Z. Whitehead - Norman Cass, Jr.

Charles B. Fitzsimons - Kevin McCluskey

Arthur Walsh – Frank Skeffington Jr.


domingo, 19 de março de 2023

Um Lugar Ao Sol (1951) : De George Stevens, Uma Tragédia Americana


O genial Charles Chaplin (1889-1977) costumava dizer que Um Lugar ao Sol (A Place in The Sun) era o melhor filme que assistira em toda sua vida. Para ele, era um registro de supremacia do cinema sobre outras formas de arte.  Estreado nos Estados Unidos em setembro de 1951, passou quase despercebido no Festival de Cannes no mesmo ano, com George Stevens (1904-1975) produzindo e dirigindo este grande clássico com seu notório perfeccionismo.

Seu trabalho arrebatou seis prêmios da Academia de Hollywood – Melhor Direção (Stevens, que também conquistou o prêmio da Associação dos Diretores de Cinema dos EUA), Melhor Roteiro Adaptado (Michael Wilson. 1914-1978), Melhor Foto em Preto & Branco (William C. Mellor, 1903-1963), Melhor Montagem (William Hornbeck, 1901-1983), Melhor Música (Franz Waxman, 1906-1967) e Melhor Vestuário em Preto & Branco (Edith Head, 1897-1981), além de concorrer aos Oscars de Melhor Filme, Melhor Ator (Montgomery Clift, 1920-1966) e Melhor Atriz Coadjuvante (Shelley Winters, 1920-2006).


Theodore Dreiser, autor do romance que originou o filme UM LUGAR AO SOL (1951)

Um Lugar ao Sol permanece até os dias de hoje como um clássico moderno aos olhos dos críticos que não cansam de analisa-lo e estuda-lo ao longo de mais de 70 anos de seu lançamento justamente por sua simetria artística, entretanto nunca deixou de causar controvérsias. Em verdade, a obra cinematográfica de Stevens origina do romance An American Tragedy, publicado em 1925 por Theodore Dreiser (1871-1945), cujas ligações com o cinema já eram conflituosas, dando ao tema uma interpretação sentimental, muito incompatível com o libelo social do livro.


Edição norte-americana do livro Uma Tragédia Americana, 
de Theodore Dreiser.

O romance de Dreiser tinha uma visão pessimista da sociedade americana, cujo texto afastava qualquer tentativa de aproximação cinematográfica – numa época em que Hollywood, através do Código Hays de Censura*, cultuava uma política rigorosamente moral. Por seu exacerbado naturalismo a Emile Zola, Dreiser foi acusado de sordidez e vulgaridade por expor a vida dos EUA como uma voragem sombria e turbulenta que traga as pessoas para o abismo, e por atacar o materialismo norte-americano e seus mitos.  Nos dois grossos volumes do livro original, Dreiser descreve a ascensão e queda de um jovem saído dos cortiços, Clyde Griffith, que entorpecido pela ânsia de subir na vida e enriquecer, pensa em se livrar de sua namorada, Roberta, cuja gravidez impediria dele casar-se com uma garota da elite, Sondra. O ponto extremamente crucial da trama reside na inocência e culpabilidade de Clyde ao planejar o assassinato de Roberta.

Os cineastas Serguei Eseinstein e Josef von Sternberg. O primeiro chegou a adaptar o romance de Dreiser, mas foi o segundo que conseguiu levar para as telas a primeira versão.

Lobby Card do filme Uma Tragédia Americana (1931) de Josef von Sternberg.

Fatos: uma das raras frustrações do lendário cineasta pioneiro David W. Griffith (1875-1948) foi não ter conseguido filmar o livro de Dreiser, mesmo com uma carreira angariada de sucessos. O mesmo ocorrendo também com o cineasta russo Serguei Eisenstein (1898-1948), que em passagem por Hollywood em 1930, fez um roteiro de encomenda para o então chefe da Paramount B. P. Schulberg, no qual apresenta Clyde Griffith como um jovem americano típico do começo do século XX, vítima de uma sociedade competitiva e desumana, joguete de intrigas políticas e de um monstruoso complô judicial. Desta forma, o projeto foi arrancado das mãos de Eisenstein pela Paramount que ofereceu a Josef von Sternberg (1894-1969), e este acabou aceitando a tarefa de poder levar para as telas aquilo que o estúdio desejava – a história de um rapaz covarde e dócil presa de um destino infeliz e solitário, que só a ele concerne. Se no roteiro adaptado por Eisenstein ele absolvia Clyde e invocava a sociedade americana como culpada, Uma Tragédia Americana que Sternberg dirigiu em 1931 com Phillips Holmes, Frances Dee e Sylvia Sidney, atribuía ao personagem a culpabilidade pelo crime, mediante engenhosos argumentos freudianos. Mas o autor do romance original, muito embora aprovasse o roteiro de Eisenstein, rejeitou publicamente o filme de Sternberg.

O Cineasta George Stevens. Um perfeccionista e dos bons!

George Stevens com os astros Montgomery Clift e Elizabeth Taylor

Somente vinte anos depois, através de George Stevens, que o livro de Dreiser sairia dos arquivos da Paramount para o remake, distanciado tanto na entonação social de Eisenstein quanto da ótica sexual de Sternberg. Ao retomar o tema a partir de uma versão teatral de Patrick Kearney (1893-1933), Stevens também atenuou a ideia de que as atitudes de Clyde eram consequência furtiva do meio.  Mas houve mudanças nesta nova adaptação, pois foram mudados o título e o nome dos personagens centrais. O filme passou a se intitular de A Place In The Sun ao invés de An American Tragedy, e Clyde, Sondra e Roberta passaram a se chamar George Eastman (Montgomery Clift), Angela Wickers (Elizabeth Taylor, 1932-2011) e Alice Tripp (Shelley Winters), manifestando expressamente a liberdade criativa de Stevens a partir das coordenadas do romance de Dreiser, assumindo plenamente a condição de “cinema romântico”.

Angela Wickers (Elizabeth Taylor) e George Eastman (Montgomery Clift)

DIVULGAÇÃO

Um Lugar o Sol suprime toda a primeira parte do livro, que descreve a infância e a adolescência do protagonista, dá a jovem rica as maiores atenções e toda simpatia da câmera, providenciando uma inteligente elipse na sequencia da morte da operária, pois o expectador fica na dúvida se George tentou ou não salvar sua possível vítima após o acidente no lago. Mas Stevens encontrou dificuldades em tornar sua versão do romance de Dreiser em uma história cruelmente naturalista de luta de classes, uma novidade para as plateias dos anos de 1950, mas que era mais ávida para o entretenimento do que pelas doutrinações políticas. Por isso que Um Lugar ao Sol se tornou um dos filmes românticos mais comoventes e trágicos da Hollywood clássica, resultado da maneira cuidadosa como George Stevens dirigiu os protagonistas (que foram instruídos a enfatizar a linguagem corporal, e não os diálogos) e de sua manipulação habilidosa de dois estilos que se contrastam consideravelmente. O encontro de conto de fadas de George com a doce Angela é dominado por um trabalho de câmera intimista, com closes sobrepostos de forma especialmente cuidadosa em uma fotografia borrada. As cenas de fábrica, com a namorada Alice, e posteriormente no tribunal, são fotografados mo estilo dos filmes noir, enfatizando a iluminação chiaroscuro e composições instáveis que expressam belamente a ameaça que as circunstâncias representam a George.

George e sua namorada, a operária Alice (Shelley Winters), um obstáculo aos seus planos. 

Para ficar com Angela, George não vê outra alternativa, a não ser livrar-se de Alice. 


Angela, George e Alice. Um triangulo fatal.

Com Um Lugar o Sol, Stevens iniciou uma trilogia que aborda os contrastes da sociedade americana, seus costumes e contradições, trilogia esta que viria a seguir com Os Brutos Também Amam (Shane, 1953) e Assim Caminha a Humanidade (Giant, 1956). Uma obra cinematográfica que soube se impor com o avanço do tempo.

Nada mais resta para George ao ser julgado pela morte de Alice. Culpado ou inocente? Ele é apontado por um implacável promotor (Raymond Burr).

Divulgação do filme pelos jornais de São Paulo em 1952.

* O Código Hays foi um conjunto de normas morais aplicadas aos filmes lançados nos Estados Unidos entre 1930 e 1968 pelos grandes estúdios cinematográficos. Seu nome deriva de William H. Hays (1879-1954), advogado e político presbiteriano e presidente da Associação de Produtores e Distribuidores de Filmes da América de 1922 a 1945. Entretanto, já na primeira metade dos anos de 1950, o código já vinha perdendo força. Alguns cineastas e produtores estavam aptos a rompê-lo. A partir de 1968, o código deixou de existir, dando lugar ao sistema de classificação indicativa, que perpetua até hoje.


FICHA TÉCNICA

Um Lugar Ao Sol

(A Place In The Sun)

Ano de Produção: 1951

País: Estados Unidos.

Gênero: Drama.

Direção: George Stevens

Produção: George Stevens e Ivan Moffat (associado) para a Paramount Pictures, e também distribuição.

Roteiro: Michael Wilson

Fotografia: William C. Mellor. Em Preto & Branco.

Montagem: William Hornbeck.

Música: Franz Waxman.

Figurinos: Edith Head.

Metragem: 122 minutos.

ELENCO

Montgomery Clift – George Eastman

Elizabeth Taylor – Angela Vickers

Shelley Winters – Alice Tripp

Anne Revere – Hannah Eastman

Keefe Brasselle – Earl Eastman

Fred Clark – Bellows

Raymond Burr – Promotor R. Frank Marlowe

Herbert Heyes – Charles Eastman

Shepperd Strudwick – Anthony Vickers

Frieda Inescort – Senhora Ann Vickers

Kathryn Givney – Louise Eastman

Walter Sande – Art  Jansen, o advogado de George

Ted de Corsia – Juiz R.S. Oldendorff

John Ridgely – Coronel

Paul Frees – Reverendo Morrison.

Uma matéria escrita por Paulo Telles para o site  Cinema Com Poesia.


quarta-feira, 15 de março de 2023

Matar ou Morrer (1952): Clássico Absoluto do Western Com Alusão Ao Macarthismo.

Gary Cooper em MATAR OU MORRER.

Clássico que estabeleceu as bases do chamado Western Psicológico, Matar ou Morrer (High Noon, 1952) dirigido por Fred Zinnemann (1907-1997), e estrelado por Gary Cooper (1901-1961), é tido como uma alegoria política a remeter um período medonho ocorrido nos Estados Unidos no início de 1950, o Macarthismo, um termo que refere-se à prática de acusar alguém de subversivo ou comunista, o que motivou perseguição de grande parte do Congresso Americano contra aqueles que os achassem como uma “ameaça” a democracia . Um western aqui levado à dimensão de tragédia grega, que os americanos, principalmente os aderidos ao Partido Democrata Americano (e filme predileto do ex-Presidente Bill Clinton), consideram de suma importância cultural e política, tanto que uma cópia foi depositada numa capsula do tempo para ser aberta no ano 2213.

O Cineasta Fred Zinnemann

Matar ou Morrer é um filme transparente nos mais diversos sentidos. Tanto seu enredo quanto a condução cinematográfica abstêm-se de analisar acuradamente a conduta humana, ou melhor, ela a expõe de forma mais pungente e realista possível. A simbiose entre a trama e a amostragem comportamental é absoluta, transcorrendo a história em previsíveis e lógicos desdobramentos no contexto das alternativas possíveis.

O Diretor Zinnemann combinando detalhes da produção com os astros Gary Cooper e Grace Kelly.

Matar ou Morrer articula muito bem o óbvio, resultando daí um dos melhores westerns da história do cinema, sem sombra de dúvida. Se o fio central da trama (a chegada dos bandidos) é prenunciado, o mesmo não sucede com a posição dos habitantes da cidade. Se a trama já prevê seu desfecho (o duelo do herói com seus contendores), diversamente ocorre com o resto dos personagens que poderão, por sua atitude, manter tal desfecho, alterá-lo, ou impedi-lo. Enquanto expectativa, essa atuação constitui elemento de surpresa. No transcurso do filme, sobretudo na espera dos bandidos pelo seu líder na estação de trem e na posição dos habitantes em relação à contenda do xerife.

MONTAGEM ESPECIAL

Gary Cooper como o xerife Will Kane. O herói mais humano do western americano. 

Por estas e outras que Matar ou Morrer é uma película que chama atenção da sociedade antes mesmo de se proclamar um western de primeira grandeza, a intranquilidade e o suspense tomam se instauram. O rigor e o despojamento cedem espaço para a indispensável atmosfera musical de Dimitri Tiomkin (1894-1979) nos momentos mais tensos, num faroeste cuja tensão já é por si mesma, contínua.

Will Kane talvez seja o herói mais humano já produzido no western americano. Gregory Peck havia sido a primeira escolha para o papel do honrado xerife, mas recuou porque havia recentemente participado de outro western ao estilo psicológico, O Matador (The Gunfighter, 1950) dirigido por Henry King, e viu similaridades entre Will Kane e o Johnny Ringo que interpretou. Sendo posteriormente a parte oferecida a Gary Cooper, este leu o script e concordou em interpretar. O diretor Zinnemann considerou Cooper como um ator que “faz a diferença entre um filme mediano e um filme muito melhor que o mediano”, Na ocasião em que Matar ou Morrer estava sendo produzido, Zinnemann declarou:

A Consciência de um homem que julga não poder fugir de uma situação adversa. Aconteceu de ambientar-se num western, poderia tomar lugar em qualquer parte onde um homem enfrenta essa decisão. É uma situação intemporal.

O roteirista Carl Foreman

Kane é um herói trágico, bem diferente de outros mocinhos do western, distante de personagens de John Ford e Howard Hawks, onde para eles a essência do medo não existe. Em contrapartida, Kane tem cautelas, mas longe de fugir da luta e enfrenta seus desafios com dignidade. Talvez seja por isso que torna-o um personagem muito mais próximo da humanidade. Zinnemann repartiu com quatro colaboradores o sucesso desta obra prima, como o fotógrafo Floyd Crosby (1899-1985, impecável fotografia em preto & branco), o roteirista Carl Foreman (1914-1984), o montador Elmo Williams (1913-2015), e o compositor Dimitri Tiomkin. Com o fotógrafo Crosby, Zinnemann optou por uma imagem oposta ao usual no gênero:

Eu disse a ele que gostaria que o filme se assemelhasse a um cine-jornal. Não havia filtros e o céu era sempre muito branco. Tentamos fazer o mesmo, e não usamos nada, somente iluminação frontal. E além disso, não procuramos glamourizar Cooper. Nós o mostramos como um homem de meia idade, e ele não objetou.  A comparativa “imperfeição” técnica resultante funcionou de modo sublime, e isto fez com que o público sentisse a coisa mais realisticamente. Na maioria dos westerns, belas formações de nuvens são consideradas obrigatórias, mas queríamos enfatizar a esterilidade da cidade, a inércia de tudo e todos. Para contrastar isto, como os movimentos do xerife, vestimos Cooper todo de preto. Assim, seu vulto solitário se agita pela resplandecente inércia de tudo, parecendo seu destino ainda ser mais pungente


O Xerife Will Kane e sua esposa, a quaker Amy (Grace Kelly)

O dinamismo da obra nasce desses contrastes – branco/preto, inércia/movimento – e se intensifica na vibração da montagem de Williams e na inventiva distribuição musical de Tiomkin, alicerces do crescente suspense. Todos os incidentes então concentrados entre as 10h40m e meio dia de um domingo de 1870, em Hadleyville. Nessa quase hora e meia, o xerife Will Kane (Cooper), então recém-casado com Amy Fowler (Grace Kelly, 1928-1982, em seu segundo filme em Hollywood), uma Quaker, tenta obter o auxílio da população, para enfrentar um famoso pistoleiro, Frank Miller (Ian MacDonald, 1914-1978), que anos antes, Kane havia mandado para cadeia e que agora chegará no próximo trem para se vingar.

Apesar de todos os apelos da esposa Amy (Grace Kelly), Kane recusa-se a ir embora com ela. 

Frank Miller (Ian MacDonald) que juntamente com seu bando quer acertar as contas com o Xerife Kane.

Todos aconselham a Kane a partir para sua lua de mel com Amy e sair da cidade, e a própria esposa apela ao marido para esquecer Frank e seus asseclas. Porém, Kane é um homem consciente do seu dever, e não somente, ele acha que precisa fazer alguma coisa, ou se não, será perseguido pelo resto da vida e não terá paz. Kane dá meia volta com sua carroça e volta para cidade, deixando Amy num posto. Como Quaker, Amy é pacifista e não concorda com a decisão do marido em pegar em armas e enfrentar Miller.  Aos poucos, Kane vai percebendo a solidão, a partir do momento em que os habitantes da cidade para quem serviu como delegado se recusa a ajuda-lo em seu momento crucial. E naqueles tempos sombrios do Macarthismo, a trama já delibera para o lado social e político.

Matar Ou Morrer ainda desponta em seu elenco Lloyd Bridges e Katy Jurado.
Harvey (Lloyd Bridges), antigo ajudante de Kane, é um dos que querem vê-lo fora da cidade. 


Amy e a mexicana Helen Ramirez (Katy Jurado) resolvem sair da cidade, sem interesse no confronto.

A crítica de que o núcleo da trama recaiu de modo exclusivo sobre a ação individual opõe-se a explicação de que seu roteirista, Carl Foreman, parodiou a conjuntura política dos EUA no início dos anos de 1950 quando efervesceu o Macarthismo, explicando sua condição particular ao ter que enfrentar crise semelhante à de Will Kane que, sem apoio, é obrigado a mudar-se de país, o que é normalmente considerado, seja esperta ou ingenuamente segundo o professor Guido Bilharinho em seu ensaio O Filme de Faroeste (Instituto Triangulino de Cultura, 2001) como democracia modelar. Matar ou Morrer funciona como uma verdadeira metáfora sobre o Caça as Bruxas de Hollywood. O script de Foreman é “uma investigação da anatomia do medo; uma destilação de encontro com parceiros, associados e advogados”. A ênfase foi conferida em meio à construção do texto, quando Foreman teve de depor perante a nefasta, louca, neurótica e absurda comissão de investigações do Senador Joseph McCarthy. Depois, Carl Foreman caiu na “lista negra”, só voltando a assinar o próprio nome em 1958.

O CONFRONTO

DIVULGAÇÃO

Na história, a hipocrisia e o medo são imperantes.  Todos querem ver Kane fora da cidade, não porque gostem dele ou querem protege-lo, mas porque ele traria ainda mais o temor à população no duelo com Miller. Na hora fatídica, Kane sabe dos riscos e deixa uma carta de despedida caso morresse no combate. Todos os habitantes se recolhem para suas casas. Quem se ofereceu para ajudar, na última hora foge porque Kane não conseguiu reforços. É o cúmulo, mas o herói parte para o enfrentamento. Consegue liquidar dois dos capangas de Miller, e um deles é morto pela esposa do delegado que estava decidida a sair da cidade, mas volta quando percebe que o homem amado está em eminente perigo.

O momento clímax, além do duelo do homem solitário contra os malfeitores, é também quando tudo já está sob controle, com os habitantes saindo de suas casas, ficando em volta de Kane e da esposa. Numa magnífica interpretação de Cooper, que merecidamente arrebatou seu segundo Oscar de Melhor Ator (o primeiro fora em Sargento York, de Howard Hawks, em 1941), Kane volta-se para aquele pessoal com total desprezo e joga ao chão a sua estrela de xerife, com indiferença e repúdio, e parte com sua carroça indo  embora com a amada e fiel Amy, sem olhar para trás... como em tantos desafios na vida!


O Mestre Dimitri Tiomkin assinou a partitura musical.

Um verdadeiro clássico, do gênero Western Classe A, que é ao mesmo tempo um dos retratos mais pungentes que o cinema já produziu sobre a condição humana, onde exprime o comportamento de toda uma sociedade paralisada pelo medo, arrebatando três prêmios da Academia – de montagem (Elmo Williams), ator (Gary Cooper, merecido!) e música e canção (Dimitri Tiomkin), cuja trilha frisa com impacto todos os acontecimentos da trama, a destacar a balada Do Not Forsake oh My Darling, interpretada por Tex Ritter (1905-1974) entoando versos de Ned Washington (1901-1976). Um clássico absolutamente inesgotável para os amantes da Sétima Arte.


Divulgação do filme pelos jornais do Rio de Janeiro, em grande triunfo.

FICHA TÉCNICA

MATAR OU 

MORRER

(HIGH NOON)

Ano de Produção – 1952

País – Estados Unidos

Gênero - Western

Direção – Fred Zinnemann

Produção – Stanley Kramer, para United Artists, em distribuição.

Trilha Sonora – Dimitri Tiomkin, com vocal de Tex Ritter.

Roteiro – Carl Foreman

Fotografia – Floyd Crosby, em Preto & Branco

Montagem – Elmo Williams

Metragem – 85 minutos

ELENCO

Gary Cooper – Xerife Will Kane

Grace Kelly – Amy Fowler Kane

Thomas Mitchell – Prefeito Jonas Henderson

Lloyd Bridges – Harvey Pell, ajudante do Xerife

Kate Jurado – Helen Ramirez

Otto Kruger – Juiz Percy Mettrick

Lon Chaney Jr – Martin Howe

Harry Morgan – Sam Fuller

Ian MacDonald – Frank Miller

Eve McVeagh – Mildred Fuller

Morgan Farley – Dr. Mahin – Ministro Protestante

Harry Shannon – Cooper

Lee Van Cleef – Jack Colby

Robert J. Wilke – Jim Pierce

Sheb Wooley – Ben Miller

Lee Aaker – menino que esbarra em Kane

  Larry J. Blake – Gillis, o barman.     

Uma matéria escrita por Paulo Telles para o site Cinema Com Poesia.



                 

Um Convidado Bem Trapalhão (1968): Blake Edwards faz Peter Sellers promover uma festa de arromba!

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