domingo, 19 de março de 2023

Um Lugar Ao Sol (1951) : De George Stevens, Uma Tragédia Americana


O genial Charles Chaplin (1889-1977) costumava dizer que Um Lugar ao Sol (A Place in The Sun) era o melhor filme que assistira em toda sua vida. Para ele, era um registro de supremacia do cinema sobre outras formas de arte.  Estreado nos Estados Unidos em setembro de 1951, passou quase despercebido no Festival de Cannes no mesmo ano, com George Stevens (1904-1975) produzindo e dirigindo este grande clássico com seu notório perfeccionismo.

Seu trabalho arrebatou seis prêmios da Academia de Hollywood – Melhor Direção (Stevens, que também conquistou o prêmio da Associação dos Diretores de Cinema dos EUA), Melhor Roteiro Adaptado (Michael Wilson. 1914-1978), Melhor Foto em Preto & Branco (William C. Mellor, 1903-1963), Melhor Montagem (William Hornbeck, 1901-1983), Melhor Música (Franz Waxman, 1906-1967) e Melhor Vestuário em Preto & Branco (Edith Head, 1897-1981), além de concorrer aos Oscars de Melhor Filme, Melhor Ator (Montgomery Clift, 1920-1966) e Melhor Atriz Coadjuvante (Shelley Winters, 1920-2006).


Theodore Dreiser, autor do romance que originou o filme UM LUGAR AO SOL (1951)

Um Lugar ao Sol permanece até os dias de hoje como um clássico moderno aos olhos dos críticos que não cansam de analisa-lo e estuda-lo ao longo de mais de 70 anos de seu lançamento justamente por sua simetria artística, entretanto nunca deixou de causar controvérsias. Em verdade, a obra cinematográfica de Stevens origina do romance An American Tragedy, publicado em 1925 por Theodore Dreiser (1871-1945), cujas ligações com o cinema já eram conflituosas, dando ao tema uma interpretação sentimental, muito incompatível com o libelo social do livro.


Edição norte-americana do livro Uma Tragédia Americana, 
de Theodore Dreiser.

O romance de Dreiser tinha uma visão pessimista da sociedade americana, cujo texto afastava qualquer tentativa de aproximação cinematográfica – numa época em que Hollywood, através do Código Hays de Censura*, cultuava uma política rigorosamente moral. Por seu exacerbado naturalismo a Emile Zola, Dreiser foi acusado de sordidez e vulgaridade por expor a vida dos EUA como uma voragem sombria e turbulenta que traga as pessoas para o abismo, e por atacar o materialismo norte-americano e seus mitos.  Nos dois grossos volumes do livro original, Dreiser descreve a ascensão e queda de um jovem saído dos cortiços, Clyde Griffith, que entorpecido pela ânsia de subir na vida e enriquecer, pensa em se livrar de sua namorada, Roberta, cuja gravidez impediria dele casar-se com uma garota da elite, Sondra. O ponto extremamente crucial da trama reside na inocência e culpabilidade de Clyde ao planejar o assassinato de Roberta.

Os cineastas Serguei Eseinstein e Josef von Sternberg. O primeiro chegou a adaptar o romance de Dreiser, mas foi o segundo que conseguiu levar para as telas a primeira versão.

Lobby Card do filme Uma Tragédia Americana (1931) de Josef von Sternberg.

Fatos: uma das raras frustrações do lendário cineasta pioneiro David W. Griffith (1875-1948) foi não ter conseguido filmar o livro de Dreiser, mesmo com uma carreira angariada de sucessos. O mesmo ocorrendo também com o cineasta russo Serguei Eisenstein (1898-1948), que em passagem por Hollywood em 1930, fez um roteiro de encomenda para o então chefe da Paramount B. P. Schulberg, no qual apresenta Clyde Griffith como um jovem americano típico do começo do século XX, vítima de uma sociedade competitiva e desumana, joguete de intrigas políticas e de um monstruoso complô judicial. Desta forma, o projeto foi arrancado das mãos de Eisenstein pela Paramount que ofereceu a Josef von Sternberg (1894-1969), e este acabou aceitando a tarefa de poder levar para as telas aquilo que o estúdio desejava – a história de um rapaz covarde e dócil presa de um destino infeliz e solitário, que só a ele concerne. Se no roteiro adaptado por Eisenstein ele absolvia Clyde e invocava a sociedade americana como culpada, Uma Tragédia Americana que Sternberg dirigiu em 1931 com Phillips Holmes, Frances Dee e Sylvia Sidney, atribuía ao personagem a culpabilidade pelo crime, mediante engenhosos argumentos freudianos. Mas o autor do romance original, muito embora aprovasse o roteiro de Eisenstein, rejeitou publicamente o filme de Sternberg.

O Cineasta George Stevens. Um perfeccionista e dos bons!

George Stevens com os astros Montgomery Clift e Elizabeth Taylor

Somente vinte anos depois, através de George Stevens, que o livro de Dreiser sairia dos arquivos da Paramount para o remake, distanciado tanto na entonação social de Eisenstein quanto da ótica sexual de Sternberg. Ao retomar o tema a partir de uma versão teatral de Patrick Kearney (1893-1933), Stevens também atenuou a ideia de que as atitudes de Clyde eram consequência furtiva do meio.  Mas houve mudanças nesta nova adaptação, pois foram mudados o título e o nome dos personagens centrais. O filme passou a se intitular de A Place In The Sun ao invés de An American Tragedy, e Clyde, Sondra e Roberta passaram a se chamar George Eastman (Montgomery Clift), Angela Wickers (Elizabeth Taylor, 1932-2011) e Alice Tripp (Shelley Winters), manifestando expressamente a liberdade criativa de Stevens a partir das coordenadas do romance de Dreiser, assumindo plenamente a condição de “cinema romântico”.

Angela Wickers (Elizabeth Taylor) e George Eastman (Montgomery Clift)

DIVULGAÇÃO

Um Lugar o Sol suprime toda a primeira parte do livro, que descreve a infância e a adolescência do protagonista, dá a jovem rica as maiores atenções e toda simpatia da câmera, providenciando uma inteligente elipse na sequencia da morte da operária, pois o expectador fica na dúvida se George tentou ou não salvar sua possível vítima após o acidente no lago. Mas Stevens encontrou dificuldades em tornar sua versão do romance de Dreiser em uma história cruelmente naturalista de luta de classes, uma novidade para as plateias dos anos de 1950, mas que era mais ávida para o entretenimento do que pelas doutrinações políticas. Por isso que Um Lugar ao Sol se tornou um dos filmes românticos mais comoventes e trágicos da Hollywood clássica, resultado da maneira cuidadosa como George Stevens dirigiu os protagonistas (que foram instruídos a enfatizar a linguagem corporal, e não os diálogos) e de sua manipulação habilidosa de dois estilos que se contrastam consideravelmente. O encontro de conto de fadas de George com a doce Angela é dominado por um trabalho de câmera intimista, com closes sobrepostos de forma especialmente cuidadosa em uma fotografia borrada. As cenas de fábrica, com a namorada Alice, e posteriormente no tribunal, são fotografados mo estilo dos filmes noir, enfatizando a iluminação chiaroscuro e composições instáveis que expressam belamente a ameaça que as circunstâncias representam a George.

George e sua namorada, a operária Alice (Shelley Winters), um obstáculo aos seus planos. 

Para ficar com Angela, George não vê outra alternativa, a não ser livrar-se de Alice. 


Angela, George e Alice. Um triangulo fatal.

Com Um Lugar o Sol, Stevens iniciou uma trilogia que aborda os contrastes da sociedade americana, seus costumes e contradições, trilogia esta que viria a seguir com Os Brutos Também Amam (Shane, 1953) e Assim Caminha a Humanidade (Giant, 1956). Uma obra cinematográfica que soube se impor com o avanço do tempo.

Nada mais resta para George ao ser julgado pela morte de Alice. Culpado ou inocente? Ele é apontado por um implacável promotor (Raymond Burr).

Divulgação do filme pelos jornais de São Paulo em 1952.

* O Código Hays foi um conjunto de normas morais aplicadas aos filmes lançados nos Estados Unidos entre 1930 e 1968 pelos grandes estúdios cinematográficos. Seu nome deriva de William H. Hays (1879-1954), advogado e político presbiteriano e presidente da Associação de Produtores e Distribuidores de Filmes da América de 1922 a 1945. Entretanto, já na primeira metade dos anos de 1950, o código já vinha perdendo força. Alguns cineastas e produtores estavam aptos a rompê-lo. A partir de 1968, o código deixou de existir, dando lugar ao sistema de classificação indicativa, que perpetua até hoje.


FICHA TÉCNICA

Um Lugar Ao Sol

(A Place In The Sun)

Ano de Produção: 1951

País: Estados Unidos.

Gênero: Drama.

Direção: George Stevens

Produção: George Stevens e Ivan Moffat (associado) para a Paramount Pictures, e também distribuição.

Roteiro: Michael Wilson

Fotografia: William C. Mellor. Em Preto & Branco.

Montagem: William Hornbeck.

Música: Franz Waxman.

Figurinos: Edith Head.

Metragem: 122 minutos.

ELENCO

Montgomery Clift – George Eastman

Elizabeth Taylor – Angela Vickers

Shelley Winters – Alice Tripp

Anne Revere – Hannah Eastman

Keefe Brasselle – Earl Eastman

Fred Clark – Bellows

Raymond Burr – Promotor R. Frank Marlowe

Herbert Heyes – Charles Eastman

Shepperd Strudwick – Anthony Vickers

Frieda Inescort – Senhora Ann Vickers

Kathryn Givney – Louise Eastman

Walter Sande – Art  Jansen, o advogado de George

Ted de Corsia – Juiz R.S. Oldendorff

John Ridgely – Coronel

Paul Frees – Reverendo Morrison.

Uma matéria escrita por Paulo Telles para o site  Cinema Com Poesia.


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