segunda-feira, 27 de março de 2023

O Último Hurrah (1958): de John Ford, Os Bastidores da Política Contada de Forma Lírica e Intimista

Tudo já foi dito sobre John Ford (1895-1973), um dos diretores mais versáteis da história da Sétima Arte. Um cineasta legítimo que colecionou grande admiração do público e influenciou outros diretores. Suas realizações apresentaram extraordinária dinâmica cinematográfica, possuindo sensibilidade contagiante e comovedora autenticidade humana. Ford conseguiu unir “gregos e troianos”, isto é, conseguiu atrair públicos diversificados, pois vários personagens de suas obras não devem ser entendidos a luz de inteligência ou razão, mas simplesmente entendidos através do coração. E é sobre um de seus grandes trabalhos que vem a direcionar para a emoção que reproduz de maneira intimista os bastidores da política (e hoje, diga-se de passagem, uma das obras poucas citadas de Ford): O ÚLTIMO HURRAH (The Last Hurrah), filme realizado em 1958.

O Cineasta John Ford
John Ford produz e dirige O ÚLTIMO HURRAH (1958)

O Último Hurrah pertence a categoria de realizações mais afeiçoadas e pessoais do diretor Ford e com os quais o cineasta presta homenagem a pessoas ou grupos humanos que consegue algum tipo de destaque. Estas obras são ditadas pelo coração, por isso mesmo possuindo deficiências comuns nas obras mais puras do cineasta (O Sol Brilha Na Imensidade, O Delator, Depois do Vendaval, entre diversas), talvez por culpa de uma dose maior de sentimentalismo. Em O Último Hurrah ele homenageia seus patrícios irlandeses que conseguiram subir do nada até influir e comandar a vida pública da Nova Inglaterra, onde passa-se toda narrativa. 

O jornalista e escritor Edwin O' Connor, que escreveu o romance O ÚLTIMO HURRAH, publicado em 1956.
O astro Spencer Tracy e o diretor John Ford

Não obstante a intolerância dos descendestes diretos dos primeiros colonizadores, Ford faz um alerta ao preconceito e a hipocrisia dos poderosos que usurpam esperanças e progresso dos menos afortunados. Para a realização do filme, o diretor leu o romance original (publicado em 1956) do jornalista Edwin O'Connor (1918-1968) e se entusiasmou com o livro, chegando a propor para a Columbia Pictures produzir e dirigir mesmo sem receber salário. Ford se identificou logo de cara com a figura do político democrata Frank Skeffington (que O’Connor se inspirou num político real, James Michael Curley, que foi prefeito de Boston, EUA, conhecido tanto por suas benfeitorias quanto pelo modo implacável de lidar com adversários políticos).  Diferentemente do livro, Ford utilizou Frank Skeffington de modo mais sentimental, sugerindo que ele, mesmo com sua benevolência e humanidade para com as minorias, era capaz de praticar métodos menos recomendáveis para atingir seus objetivos, traçado por um roteiro magnífico de Frank S. Nugent (1908–1965), colaborador de Ford em Depois do Vendaval e Rastros de Ódio.

Spencer Tracy é Frank Skeffington, prefeito de um território da Nova Inglaterra que tenta mais uma reeleição...

... acompanhado por velhos amigos e fiéis partidários.

Frank Skeffington é interpretado de maneira soberana por Spencer Tracy (1900-1967), em atuação segura e eficiente. Sendo protagonista de astuciosa e refinada crônica nos bastidores eleitorais de um vilarejo da Nova Inglaterra. Skeffington, de truculento sangue irlandês e há doze anos no cargo de prefeito, controla a máquina eleitoral através de suborno e “caridade”. Durante sua quarta e última campanha eleitoral para prefeito, representantes dos meios financeiros, da Igreja Católica e da Imprensa, aliam forças para enfrentar seus métodos que já renderam-lhe várias reeleições. 

DIVULGAÇÃO

Os fiéis partidários de Skeffington: John Gorman (Pat O' Brien), Sam Weinberg (Ricardo Cortez), "Ditto" Boland (Edward Brophy) e "Cuke" Gillen (James Gleason)

Cercado por fiéis partidários que estão com ele por mais de 30 anos, Skeffington tenta se reeleger em um mundo que anda em transições. Contudo, ele tem um dom surpreendente. O único político que é verdadeiramente capaz de manipular os poderosos para defender os oprimidos. Ele é o líder indiscutível da cidade, controlando a cidade com punho de ferro, mas ele sabe que seu show está beirando ao fim. O dia de compromissos com almoços e comícios políticos está dando lugar à televisão, a mais nova tecnologia na área das comunicações, fazendo a máquina política de Frank parecer obsoleta e ultrapassada.
 

Mesmo com todo apoio de partidários, Skeffington conta com ajuda de Adam Caulfied (Jeffrey Hunter), jornalista que trabalha para o jornal de...

...Amos Force (John Carradine), inimigo declarado de Skeffington, que apoia o candidato republicano Kevin McClurskey (Charles B. Fitzsimons)

A televisão, sendo um veículo de comunicação emergente, começa desempenhar um papel fundamental na política. Para assessorá-lo nessa transição, surge Adam Caulfield (Jeffrey Hunter, 1926-1969), seu sobrinho e jornalista esportivo de um grande tabloide comandado por Amos Force (John Carradine, 1906-1988), inimigo figadal de Skeffington e republicano fanático.  Ao visitar o tio, Adam fica sabendo dos sérios motivos que levam Amos a odiar Skeffignton, quando o pai do dono do jornal, um burguês autoritário, humilhou publicamente a mãe de Frank (que era sua empregada doméstica) pelo fato dela pegar sobras de comida, acusando-a de ladra. Caulfield abandona o jornal de Amos e resolve ajudar o tio em sua campanha. 

Adam é casado com Maeve (Dianne Foster), também apoiadora de Skeffington.


Skeffington enfrentando seus opositores.

Os inimigos políticos de Frank Skeffington não param por ai. Seu sobrinho Adam é casado com Maeve (Dianne Foster, 1928-2019), filha de Roger Sugrue (Willis Bouchey, 1907-1977) que também detesta Skeffignton e começa a ter diversos atritos com o genro, contudo sem abalar a relação de seu casamento, já que Mave também simpatiza com os ideais de Frank. Entretanto, Skeffington é o tipo de político que realmente preocupa-se com seus eleitores, mesmo que seus métodos sejam um tanto ilícitos. Muitas vezes ajuda-os pessoalmente (como na cena de um enterro, em que uma de suas eleitoras não tinha dinheiro para enterrar seu marido, e Frank pressiona o dono da funerária, ligado ao Partido Republicano, a fazer o enterro de graça). Mas há alguns problemas com a regra de Skeffington. Primeiro de tudo, ele muitas vezes muda vários negócios, obrigando mesmo aqueles que trabalham para ele a ter salários reduzidos para ajudar os eleitores. Skeffington e seus aliados, muitas vezes, transformam os funerais em reuniões políticas. Skeffington não é nenhum santo, mas em nome de seus ideais vale quase tudo, até mesmo mexer com os alicerces da Igreja Católica. Mesmo sendo um católico devotado, entra em atrito com a ideologia da Igreja, muito embora o Arcebispo da cidade, Cardeal Burke Martin (Donald Crisp, 1882-1974) simpatize com Frank. Na vida familiar, Skeffignton tem problemas de relacionamento com o filho único, Júnior (Arthur Walsh, 1923-1995), um jovem imaturo e irresponsável que só pensa em mulheres e badalações, ignorando por completo as idealizações do pai.

Para angariar simpatias e votos, Skeffignton apela para atos de "caridade", como ao ajudar uma viúva (Anna Lee) que não tem dinheiro para enterrar seu marido...

... mas Frank apela para a "boa vontade cristã" do agente funerário para que faça o enterro de graça. 


Frank Skeffignton candidato para mais uma reeleição na prefeitura da Nova Inglaterra, em um de seus comícios. 

Frank surpreende a todos ao anunciar que pretende concorrer para outro mandato para prefeito. O corpo principal do filme dá uma visão detalhada e criteriosa da política urbana, e o controle de Skeffington e de seu sobrinho Adam através de rodadas de aparições nas campanhas e eventos. Kevin McCluskey (Charles B. Fitzsimons, 1924-2001), um jovem candidato com um rosto bonito e os “bons costumes norte-americanos”, com excelente ficha e registro da II Guerra Mundial, mas sem experiência política e nenhuma habilidade real para governo, acaba derrotando Skeffington nas eleições. Um dos amigos de Adam, John Gorman (Pat O’ Brien, 1899-1983) explica que a eleição foi "um último hurrah" para a ultrapassada máquina política de Frank Skeffington. As mudanças na face da política norte-americana foram tão exorbitantes que Skeffington já não pode sobreviver. Imediatamente após sua derrota, Skeffington sofre um ataque cardíaco. Quando morre, deixa para trás uma cidade de luto por uma figura crucial na sua história, mas uma cidade que não tem mais espaço para ele ou o seu tipo.

OS VETERANOS Spencer Tracy e Pat O' Brien, amigos também na vida real.


Adam (Jeffrey Hunter) e Sam Weinberg (Ricardo Cortez) acompanham a apuração da eleição...

...culminando com a derrota de Skeffingnton, que não perde o bom humor e anuncia sua próxima candidatura.

O ÚLTIMO HURRAH está cheio de grandes momentos cinematográficos e de esplendidos tipos fordianos. A sequência do magnifico funeral do marido da eleitora; o passeio do candidato derrotado pelo parque deserto enquanto a passeata do candidato vitorioso serve como pano de fundo; e o gesto silente com que Skeffington se dirige a fotografia da finada esposa da sua incompreensão diante dos acontecimentos. Entre os tipos humanos apresentados por Ford, vale destacar a velha tagarela presente no funeral (Jane Darwell, 1879-1967); O auxiliar ingênuo Ditto (Edward Brophy, 1895-1960), e Hannessey (Wallace Ford, 1898-1966), o eterno candidato. 

O passeio solitário de Skeffington após a derrota, tendo como fundo a passeata do candidato vitorioso, e...

...o gesto silente de Skeffington ao se dirigir ao retrato da esposa falecida - dois grandes momentos cinematográficos e esplendidos no verdadeiro estilo fordiano.

O ÚLTIMO HURRAH é narrado por John Ford de forma lírica, intimista, bem humorada, sentimental e generosa, apresentando Spencer Tracy em uma de suas mais memoráveis performances do cinema, onde todos destacam-se com suas participações, desde  Jeffrey Hunter (em bom desempenho!), aos veteranos Basil Rathbone (1892-1967), Donald Crisp, Edward BrophyPat O'Brien, Willis Bouchey e Wallace Ford, irmão do cineasta.

Divulgação do filme pelos jornais do Rio de Janeiro, em 1959 ou 60.

FICHA 

TÉCNICA



O ÚLTIMO 
HURRAH

(The Last Hurrah)

Nacionalidade – Estados Unidos

Ano de Produção – 1958

Gênero - Drama

Direção – John Ford

Produção – John Ford para Columbia Pictures (e distribuição)

Roteiro - Frank S. Nugent, baseado no livro de Edwin O' Connor.

Fotografia - Charles Lawton Jr. – em Preto & Branco

Música – George Dunning, Paul Sawtell e Cyril J. Mockridge (não creditados)

Metragem – 122 minutos

DIVULGAÇÃO
ELENCO

Spencer Tracy – Frank Skeffington

Jeffrey Hunter – Adam Caulfield

Dianne Foster – Maeve Caulfield

Pat O’ Brien – John Gorman

Donald Crisp – Cardeal Martin Burke

James Gleason – “Cuke” Gilles

Edward Brophy – “Ditto” Boland

John Carradine – Amos Force

Willis Bouchey -  Roger Sugrue

Basil Ruysdael – Bispo Gardner

Ricardo Cortez - Sam Weinberg

Wallace Ford - Charles J. Hennesse

Frank McHugh – Festus Garvey

Carleton Young – Winslow

Anna Lee - Gert Minihan

Ken Curtis – Monsenhor Killan

Jane Darwell - Delia Boylan, a velha do funeral

O.Z. Whitehead - Norman Cass, Jr.

Charles B. Fitzsimons - Kevin McCluskey

Arthur Walsh – Frank Skeffington Jr.


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